segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Caminho de Santiago - dia 6 - 25ago2021 - Pontevedra - Caldas del Rei - 24,7 km



Saída do albergue antes do nascer do sol depois de um bom pequeno almoço made by Mercadona. Sala de refeições muito concorrida e que pressupunha grande densidade de caminheiro no próximo troço.

Inicio percurso na companhia da um casal de portugueses e dos amigos alemães já mencionados anteriormente. Dia muito menos quente, talvez pelo aumento da latitude. 

Como previsto, o Caminho de Santiago nos primeiros quilómetros a partir de Pontevedra mais parecia a segunda circular em hora de ponta. Retornaram os grupos barulhentos, principalmente portugueses sem tento na lingua nem no volume. Com o tempo e o passar dos quilómetros  os peregrinos  comecaram-se a dispersar e retomaram   os momentos de paz e sossego. Primeira paragem no sopé de uma colina, num moderno café estrategicamente colocado que acolhia os muitos caminheiro sequisos e famintos.

A cerca de meia dúzia de quilómetros antes da chegada a Caldas del Rei um painel informativo assinalava a entrada num Parque Natural da ria Barosa. Um espaço com um significado diferente daquele que damos às nossas áreas protegidas: nada mais do que uma zona de lazer, florestal, com percursos pedestres, e um Ribeiro esquivo e ameandrado  (uma palavra que, curiosamente não existe no dicionário português, mas no espanhol sim) e que numa determiada zona culmina com um macisso de rocha, transformando se numa cascata bem aproveitada pelos autóctones e turistas.

Chegada ao albergue de Caldas del Rei. Afogueado, depois de mais de 24km,  nunca pensei que a a medição da temperatura corporal para controlo do COVID efetuada pela simpática e jeitosa rececionista da estância pudesse registar somente 36°C. 

Passagem pelo tanque de lavagem com água termal e pelo ritual de escaldar os pés. Experiência curiosa onde não só os caminhantes acalmam as suas dolorosas bolhas mas também  onde autóctones tomam banho. Não conseguindo descobrir o local onde a água quente entra no grande tanque, presumi que a alta temperatura se deveria às fogosas meninas que, com os seus fatos de banho de dimensões tímidas, aqueciam o ambiente...

Jantar Internacional com portugueses e alemães, degustando tapas espanholas, ao estilo partilhado dos restaurantes chineses.

domingo, 28 de novembro de 2021

Caminho de Santiago - dia 5 - 24ago2021 - Arcade de Riba - Pontevedra - 14,5 km


Arcade até Pontevedra. Um dos troços mais curtos o que daria para, quase a meio do  caminho,  restaurar as forças, não fosse o facto deste dia ser o mais quente do período.


A fase inicial, logo após saída de Arcade, inicia-se uma subida declive significativo. Locais estratégicos para  vendedores ocasionais se posicionarem, oferecendo fé concentrada em magnetos, bebidas frescas e um carimbo na caderneta. 

O pavimento em laje de pedra evidencia o desgaste pelo tempo, com sulcos de carroças da idade média e quiçá de quadrigas romanas. Temos a sensação que, neste local,  poderíamos estar a caminhar lado a lado com um legionários romano a caminho de Astorga  ou com um frade da idade média em peregrinação a Santiago. Até a vegetação envolvente é  muito semelhante àquela que eles veriam, exceto os eucaliptos e acácias, naturalmente. 😉



Mais uma vez durante o percurso foi evidente, a par da sinalética habitual do caminho de Santiago, setas pintadas a azul indicando o sentido contrário ao que seguíamos. Se bem que uma das explicações para este sinal seria o resultado de uma ação subversiva perpetrada por negacionistas do caminho de Santiago, concluiu-se que indicam simplesmente o caminho para Fatima, a grande concorrente portuguesa do apóstolo mártire, no que respeita a peregrinações naturalmente. 😁



A cerca de 7km de Pontevedra aparece alguém montado numa motorizada. Um galego pequenino com bigode farfalhudo, cara simpática e capacete na cabeca. Pára e chama alguns peregrinos.
- No te preocupes, no quiero venderte nada. Solo quiero informarles que más adelante hay una bifurcación en el camino. Vai à la izquierda que es más agradable.Y cuidado que hoy es una punheta de dia mui caliente. 
Os poucos portugueses do pequeno ajuntamento entreolharam-se com ar comprometido. E quando o nosso informador turístico deu meia volta, cavalgando a moderna motoreta, verificámos através do seu material e equipamento que era, nem mais nem menos, que o carteiro local.



Chegada a Pontevedra, a um moderno albergue à espera dos caminhantes, ainda a tempo de visitar o interessante centro histórico onde edifícios centenários aninham lojas da Calzedonia, de venda de telemóveis e restaurantes fastfood.

Reencontro no mesmo albergue com um casal alemão, com idades próximas dos 70, também presentes no albergue anterior e com os quais se efetuaram diversos contatos durante o percurso. Provenientes do Porto,  estavam maravilhados com as paisagens e o acolhimento dos portugueses e com as deliciosas  refeições lusas "por 9 euros".

O percurso chegou a meio com cerca de 55km já percorridos.

Marrocos abortado


Decidido. No final de Novembro viajarei  para Marrocos. A oportunidade de visitar as duas últimas cidades imperiais marroquinas que  faltam: Fés e Meknès.

Consulta da app da Ryanair. 19,90 euros ida e volta a partir de Lisboa, para Fès, antiga capital Marroquina. Um achado. Mais barato que a viagem de comboio até ao aeroporto. Comprado!! 

Sendo a cidade do mundo,  com o maior labirinto construído, onde não circulam viaturas, irei privilegiar a visita à Medina de Fés, várias vezes capital marroquina e fundada no século IX. E associando o útil ao agradável, o alojamento será numa casa tradicional no centro daquela antiquíssima e caótica urbe: Riad Dar Layali Fez


Feito! 4 dias numa das mais interessantes zonas de Marrocos, por pouco mais de 70 euros, incluindo viagem aérea e estadia com pequeno almoço. 

Inicia-se então o pesadelo. O nosso amigo Sars-COV2 obriga as autoridades magrebeanas a exigir aos visitantes, para além do extenso e habitual formulário sanitário do viajante, também um teste PCR, e posteriormente a obrigação de exame médico, visual e teste antigénio, no aeroporto. Esta brincadeira dos testes simplesmente duplicava o preço da viagem. Feitas as contas, pelo preço resultante, ainda era um achado, apesar de, entretanto, o valor da viagem ter reduzido 50% (sim,  um voo de Lisboa a Fés, ida e volta, baixou para 10 euros)

Na semana da partida, uma constipação mal curada apresentou sintomas semelhantes à COVID. Brufens e anti-histamínicos não foram suficientes para debelar a maleita. Teste COVID prescrito pela médica do centro de saúde deu negativo. Mas na véspera da viagem os sintomas mantinham-se. E para evitar incomodar os passageiros e as solícitas  comissárias de bordo, e também para não fazer de turista zombie com uma carraspana ás costas, cancelei a viagem. Fiz bem porque, como se vê pelas condições de check in (que  apesar de tudo efetuei), qualquer passageiro que se apresente na porta de embarque a disparar espirros e  germens da glote é imediatamente aplacado e transportado para o hospital mais 
próximo (que, a propósito, até é o Júlio de Matos...). 


 

(não serão estas exigências inconstitucionais???... 😒 )

Conclusão: uma não-viagem, cheia de peripécias que, após cancelamento da reserva do Ryad (resignadamente e de forma simpática aceite pelos proprietários) e da marcação do teste PCR, ficou por uns módicos 19,90 euros. 

Fica na lista de espera, para um futuro próximo.  ✋


domingo, 29 de agosto de 2021

Caminho de Santiago - dia 8 - 27ago2021 - Cruces/Escravitude - Santiago de Compostela - 18,9 km





O despertador tocou às 6 horas. 5 horas  portuguesas. Os músculos, renitentes ao movimento, retomaram gradualmente a flexibilidade dos dias anteriores. Pequeno almoço providenciado  pelo albergue e tomado na companhia de duas jovens espanholas, companheiras de camarata, martirizadas pelo excesso de fricção  nos apêndices podais... 

Saída ainda de  noite, já com o horizonte a acender-se. Durante o percurso foi possível voltar a cruzar ou relembrar personagens peculiares em circulação pelo Caminho: a mãe e filha, a primeira de provecta idade, provenientes de Braga, utilizava a enorme mochila como estendal de roupa lavada e sem tempo para secar no hostel; o jovem português a viver no Luxemburgo, de passo largo e determinado, que desde há várias semanas calcorreava o Caminho de Santiago desde Lisboa; a alemã robusta, de passo certo, que rapidamente ultrapassava todos e desaparecia numa curva do Caminho; o grupo de portugueses barulhentos que frequentemente utilizavam o nome das árvores preponderantes na zona, o carvalho, para se incentivaram ou quiçá insultarem; o peregrino solitário  que trocou a habitual mochila por um atrelado com rodas por ele arrastado; a militar da GNR que, ao seu ritmo e sem qualquer preocupação de planeamento, desfrutava o Caminho desde o Porto. Uma amálgama de vontades, gostos e feitios. Formas diferentes de usufruir os prazeres disponibilizados.



Chegada a Santiago cerca de 4 horas depois da partida, com o sol já alto. A cidade transbordava. estamos em ano Xacobeu, que faz os peregrinos lembrarem-se da necessidade de o serem. Segundo o turismo de Espanha, o Xacobeo, também conhecido como Ano Jacobeu, Ano Santo ou Ano Jubilar, só é celebrado quando a festividade do Apóstolo Santiago, no dia 25 de julho, coincide com um domingo. Esta coincidência ocorre num intervalo de anos diferentes, a cada 5 ou 6 anos, e, às vezes, é preciso esperar até 11 anos para comemorar este ano tão importante para os católicos. 



Não sendo peregrino, prescindi da Compostela, de beijar o santo na catedral e de assistir à missinha. Fica a fotografia na praça da Catedral e a caderneta religiosamente (😏)  carimbada ao longo do caminho, em locais santos, ímpios e outros mais ou menos.




8 dias de caminhada. Ponte de Lima a Santiago, cerca de 160 km (acresce aqueles efetuados em visitas turísticas e históricas), 6 albergues, muito convívio, músculos impregnados de ácido lático, mas epiderme sem  qualquer balão  de liquido, encontros agradáveis e o deleite de visitar, com tempo e a pé, cidades históricas e paisagens maravilhosas, algumas já anteriormente visitadas como turistas automobilizados e apressados.

O que leva um gajo que até é ateu fazer este percurso, perguntaram vários  amigos? Talvez o mesmo que o levaria a efetuar uma grande rota (GR) num outro local qualquer com  estas  características. Talvez o mesmo que leva um não crente  a apreciar e a encantar-se com as particularidades de uma igreja ou os recantos de uma mesquita. No que respeita à comparação com os outros percursos pedestres de turismo da natureza ou cultural, convenhamos que o Caminho de Santiago tem algumas vantagens: mesmo que se  parta sozinho nunca se caminha desacompanhado e, principalmente, o enorme apoio logístico sustentado pelos serviços de alojamento e de restauração estrategicamente localizados e que nunca deixam o caminhante com fome ou a dormir o relento..

Está  feito!!!

 BUEN CAMINO,  literalmente ou em sentido figurado.



sábado, 28 de agosto de 2021

Caminho de Santiago - dia 4 - 23ago2021 - O Porriño - Arcade de Riba - 23, 2 km



Um dos troços mais duros. Não só pela orografia, com alguns desníveis que são um autêntico desafio à resistência dos articulações e dos músculos, mas também por ser um dos mais extensos, e a temperatura do ar ter atingindo os 37°C. O dia mais quente do percurso.



O planeamento  rigoroso da logística desta aventura é o garante que tudo correte pelo melhor. A reserva do alojamento tem de respeitar a distância adequada entre os locais de estada para que cada troço não vá muito para além ou aquém dos 20 km. Se determinada povoação já não tem alojamento (o mês de agosto é  um período de muita demanda), torna se necessário ajustar todas as outras para que esta regra seja respeitada. 

O plano foi também delineado  no sentido de iniciar a caminhada cerca das 6h30mn. Como em qualquer plano, a falha veio ao de cima: com a diferença de fuso horário entre Portugal e Espanha, o   nascer do sol, neste período do ano, ocorre quase às  8horas da manhã. Para evitar caminhar sem luz, o início da caminhada matinal é atrasado significativamente. Desvantagem: chegada  mais tarde ao destino. Vantagem: mais uma hora na  cama. 😁


Com o aumento da latitude o Caminho aproxima-se da recortada costa galega, impressa pelas peculiares Rias  Baixas. A paisagem florestal, ponteada por pequenas localidades alvas e com perfil luso,  cruza-se com planos de água cintilante e com imensas jangadas dispersas, produtoras de mexilhão. Segundo o turismo de Vigo, em cada viveiro podem criar-se até 200 toneladas de mexilhões, um produto com denominação de origem que demora cerca de 18 meses a estar pronto para consumo. Espanha é dos maiores produtores mundiais deste bivalve. Nenhum caminhante ou peregrino deve deixar de degustar este molúsculo, à espanhola, de tomatada ou de conserva, acompanhado com um alvarinho ou, porque o peregrino/caminhante é  teso, pode este ser substituído por uma Estrella Galicia. Se o não fizer não lhe será emitida a Compostela. 😁

Uma das zonas mais perigosas do Caminho de Santiago são os cerca de 400 metros antes de se chegar a Arcade de Riba, que se percorrem pela diminuta berma da movimentada estrada nacional 550. O movimento dos caminhantes efetua-se no mesmo sentido que as viaturas, que surgem rápida e inesperadamente por detrás.  Vale pela deslocação do ar, refrescante, provocada pelos  pesados e altos camiões TIR.




Chegada a Arcade de Riba e ao já reservado albergue, contiguo ao Caminho.

- Cómo se soletra tu nombre? No. No tengo ninguna reserva a este nombre. Depois de ter explicado que a reserva foi efetuada pelo Booking e ter mostrado o voucher de confirmação, o galego e proprietário, que fazia jus aos seus compatriotas que emigraram para Lisboa no início do século passado e que, mais tarde, ocuparam as tascas da capital, lá admitiu o erro patente no caderninho de merceeiro e entregou-me a merecida chave de acesso ao gavetão para armazenamento da mochila e restantes pertences. 

Albergue cheio, medias preventivas contra a COVID inexistentes. Qual certificado de vacinação, qual carapuça...






segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Caminho de Santiago - temporada 2, episódio 1 - dia 3 - 22ago2021 - Valença-O Porriño - 20,07 km

Preámbulo

Faz já cerca de 2 meses que começámos o caminho de Santiago com partida em  Ponte de Lima. Cerca de 40 km até à fronteira, em duas etapas, com pernoita em Rubiães, e uma dura passagem pela serra da Labruja. O curto fim de semana terminou em Valença, com a promessa de continuação do empreendimento para mais tarde. 

O relato do percurso consta neste blog.

Episodio 1

Com o objetivo de atingir Santiago de Compostela, mais cerca de 120 km, retomou-se hoje, 22 de Agosto de 2021, o Caminho, em Valença, com direção a O Porriño. Cerca de 20 km (efetivamente as duas dezenas é o valor médio de cada troço o que permirira atingir o objetivo final em 6 dias).

Uma boleia da Lourdes e da Sofia, desde Santa Cruz do Lima, permitiu o pontapé de saída. Chegamos a Valença cerca de 9 horas, num domingo que imprimia à urbe muita humidade, nevoeiro, frescura e enorme carência de pessoas.

Nota-se claramente que o percurso, talvez por estarmos em Agosto, apresenta uma maior densidade de utilizadores. Na sua fase inicial, na fronteira,  principalmente  portugueses e espanhóis. A passagem pela secular e férrea ponte internacional de Valença é sempre um ex-libris. Cerca de 150 anos antes da ponte 25 de Abril, já  apresentava um tabuleiro para comboio (o de cima) e outro para circulação rodoviária. E também pedestre, projectando os caminhantes de Santiago ao longo da extensa massa de água do rio Minho até à margem galega.

Tui. Uma cidade de pedra e com o seu núcleo histórico que nos permite viver uma experiência  da idade média, tão bem conservados que estão os arruamentos e edifícios.

Serpentiando pelo Caminho, inicialmente por ruas e ruelas e depois por veredas e trilhos de pé posto, procura-se uma distância razoável dos grupos numerosos e ruidosos de caminhantes. 

As pontes romanas, vergadas sob o peso da sua idade, transportavam os antigos viajantes  até à central  cidade de Artorga, que viu aumentada a sua importância, com a ajuda da Igreja medieval, precisamente por estar no caminho de Santiago. 

Nos idos anos de 1240, ao chegar à ponte das febres, São Telmo, em peregrinação a Santiago de Compostela, assolado por febres altas causadas pelo paludismo (doença endémica à época ), decide regressar a Tui onde morre, não sem antes  deixar a promessa de livrar de todos os pecados aquela vila. Os pecadores condenados ao cilício da malária só viram o seu expiamento cerca de 800 anos depois, com a erradicação da doença.  

A cerca de meio caminho, colocou-se um dilema ao caminante: optar pelo caminho mais curto mas mais fatigante (sem sombras, piso incómodo, passagem por uma zona industrial) ou pelo caminho mais longo (seguindo essencialmente pelo interior de manchas florestais, junto à regatos). Pelo constatado, esta variante espiritual foi a mais escolhida. 

Depois de uma caminhada fatigante e  abrasadora, com temperaturas superiores a 30 °C, e onde o alcatrão foi uma constante, a Pension Louro em O Porriño foi um autêntico oásis fresco e repousante. 

Porriña senhora madrinha, que isto não está a ser fácil... 🥴🥴


quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Douro abaixo


Se é certo que considerei inicialmente esta viagem como "de saloios" , sem dúvida  que o  balanço final foi positivo.

Um percurso de cerca de 7 horas onde a paisagem corre duplamente pelos lados da embarcação, declivosa, profunda, em socalcos, vinhas, sobreiros, belíssimos eucaliptos e pinheiros e outras vistosa plantas não identificadas à distância, distribuídas no espaço de uma forma que torna clara a dimensão dos grandes incêndios florestais. Onde somos engolidos pela eclusa mais alta da Europa numa barragem onde a EDP faz publicidade à empresa num ecrã gigante. Onde nos recordamos com nostalgia e tristeza da antiga ponte de Entre-os-rios.

E tudo isto acompanhado por um opiparo almoço, regado por um Douro de 2019 de caixão a cova. 🥱