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domingo, 14 de agosto de 2022

Quero cheirar teu bacalhau, Maria... pum pum pum

Vale do Lima. Zona montanhosa, bucólica e verdejante. Machas de povamentos florestais de matizadas de verde, mescladas de casario branco e cor de telha. As linhas de água canalizam o precioso líquido em corrida mais ou menos rápida. Sentados numa relaxante cadeira, sob uma contorcida nogueira, a meia encosta do famoso vale, saboreamos esta agradável paisagem. O paraiso!!

Mas não tanto. Com  decibéis que ultrapassam certamente os valoŕes recomendados ou mesmo legais, a música vomitada pelos altifalantes das igrejas arranham os timpanos mais calejados. 

"Tu queres mas não  ten'rabo", canta o Zé do Pipo. " Na  minha cama com ela", exalta a bombeira de Cascais, logo secundada pela menina do Neil Monteiro a lastimar-e por não saber como sair da praia "...com os marmelinhos quase de fora".

O sossego e a paisagem são violados por esta intrusão, estranha ao ecossistema. Tradição?! Não.  A tradição não se cria num periodo temporal de 50 anos, data a partir da qual terão surgido estes diabólicos amplificadores instalados na casa do Senhor. Também este tipo de música de satanás é imberbe e não ficará para a história. 

"Elas fazem falta, animam a malta, o mundo sem mulheres era melhor acabar..." canta esganiçado, ao ritmo de concertinas, um vocalista desconhecido.  (música e letra muito distantes de "O que faz falta!" do Zeca).

Talvez venha breve uma nova determinação Papal terminando com esta tortura, dando descanso ao espírito dos abnegados minhotos e dos visitantes esporádicos e habituais desta maravilhosa região.

Parou o barulho!! Ufaaa. Finalmente. O que se escuta lá  ao fundo, a aproximar-se?  É um grupo de bombos a rufar ao passo de marcha. Acompanhados pelo ribombar de morteiros.

E retoma o ruído da música pimba a afogar todo o Vale do Lima: "Quero cheirar teu bacalhau, Maria..."

Pode ser que durante a semana a coisa acalme e seja possivel a concentração na literatura de férias ... 🙂

"...para quando chegar a casa, põe  o bacalhau em brasa, Maria...pum, pum, pum " 

🙈🙉🙊

sábado, 22 de abril de 2017

Crónicas de vacances II - Minho

Partimos para o Minho no inverno frio de 1989 transportando a natural e inocente arrogância  dos recém licenciados. Tínhamos como missão o levantamento de necessidades em infraestruturas, no âmbito agrícola e florestal, contactando para isso com autarcas, agricultores e dinamizadores locais do mundo rural.

O primeiro encontro foi com o ti Amorim, agricultor do vale do Lima, que nos recebeu pelas 8 da manhã na sua escura adega, com mesa posta com um delicioso presunto e um jarro com verde tinto, cepa americana, daquele que tinge a malga. A entrevista decorreu normalmente e, após cobarde desculpa para não bebermos àquela hora da manhã, o sr. Amorim deseja-nos "continuação de bom trabalho, senhores engenheiros, e cuidado com as curvas e com os 220. Sem dar o braço a torcer por não termos entendido o comentário, despedimo-nos, ainda com o sabor intenso do fumeiro.

Os seis meses do trabalho decorreram normalmente, aumentando os conhecimentos e diminuindo a tal arrogância. Visitamos os pouco conhecidos socalcos agrícolas do Sistelo,  as brandas e inverneiras, satisfizemos a pituitária e as glândulas salivares com bacalhau à minhota, rojões e sarrabulho, flirtamos com doces minhotas e conhecemos gentes que ainda hoje são importantes nas nossas vidas.

E quando do regresso não resistimos e questionamos o nosso colega minhoto: ó Vítor, diz-nos lá o que são os 220? Com um sorriso complacente tipo "estes-mouros-não-conhecem-o-verdadeiro-Portugal", explicou-nos que eram as comuns  juntas de bois que circulavam pelas perigosas estradas do vale do Lima: cada boi vale 110 contos, e a batida na carroça, por detrás, provoca o estrangulamento dos animais pela pressão efetuada pela canga. Uma situação aceitável num país ainda sofrendo do atraso provocado pelos 48 anos de obscurantismo e onde o sofrimento de alguns animais não apagava a vergonha de mais de 3000 mortos anuais nas estradas portuguesas.

Agora, de regresso à região, confirmo que a arrogância e a cobardia alcoólica desapareceram. ;-)

RN, 22abr2017