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sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Com todos os santos em dia de todos os santos

A caminho de terras minhotas, decidimos variar e repugnar as autoestradas a norte do rio Douro. 

Primeira paragem para almocar: Café Mendes, Ribeirão, Vila Nova de Famalicão. No decurso da viagem, na sua fase inicial, contactámos o restaurante para efetuar reserva. 

- Sim, estamos abertos. Abrimos ao meio dia mas hoje fechamos às duas da tarde.  Não se preocupem. Cá fica o vosso lugarzinho reservado, mas  venham com cuidado para chegarem bem - informou alguém com uma intensa pronúncia portuense.

Nunca no momento de reserva de um restaurante me desejaram boa viagem e recomendaram cuidado, quão avozinha que aconselha o netinho que vai a pé para a escola. 

Chegámos. Sala pequena mas já compostinha. A mesa aguardava-nos. O senhor Mendes recebeu-nos calorosamente. 

- Então o que vai ser?

- Olhe, queremos o cozido (era o prato do dia) e uma francesinha.

Menos de 10 minutos, a mesa estava guarnecida com uma travessa de cozido que dava para uma equipa masculina de râguebi e com uma francesinha de generosa dimensão, servida numa travessa, abafada em batata frita caseira e num molho de cor forte, cremoso e bem apaladado. Pratos acompanhados por duas imperiais, perdão, finos, fresquinho ( rejeitámos com mágoa o vinho verde, em grande consumo por todas as mesas vizinhas, por razões de integridade na condução). 


Na verdade, a francesinha não estará no top do top, mas não deixou ficar mal a cozinheira. Tudo no sítio, com qualidade muito razoável e que satisfez as nossas papilas  gustativas.

Por trás de mim, provocando um sobressalto, uma pequena  janela com vidros espelhados abriu-se e surgiu uma cabeça simpática de uma senhora, a cozinheira, que retorquiu para a sala,  com um sorriso e as goelas bem abertos:

- Então não queres os ossos, cara***?

Dirigir-se para uma pessoa conhecia que almoçava também cozido na mesa ao lado da nossa. Parece que tinha um cão que certamente usufruirá da mesma iguaria que o dono, embora com menos carnes certamente. 


Sem espaço para a sobremesa e terminada a refeição com os obrigatórios cafés, dirigi-me ao balcão  para liquidar a dívida, conforme procedimento dos outros comensais. 

- Pode passar fatura - solicitei? 

O senhor Mendes olhou timidamente e, incomodado, disse sincero:

- Pois. Isso é que parece que não vou conseguir hoje, porque não está a funcionar...

- 13 euros - disse.

- Por pessoa, certo?

- Nãooo. No total.

Engoli em seco, paguei e discuti o assunto com a minha companheira, espantados com o facto de se comer tão bem e tão barato numa casa localizada longe de tudo. Talvez por isso. 

E lá continuámos o passeio, a caminho de Povoa do Lanhoso, desejosos de sair do carro e subir a conhecida laje junto ao castelo para queimar as muitas e deliciosas calorias adquiridas. 

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Lápis azul

A google, já há alguns anos, pela quantidade de comentários a monumentos, restaurantes, entidades e outros locais georreferenciados pela app, classificou-me como Guia Local.
A visita ao rio Cabr**, que originou o artigo anterior, foi, naquele âmbito, objeto de um comentário no googlemaps. Pela primeira vez e por um motivo imperceptível, fui censurado pela googlemaps por este ato. 
Presumindo que a rejeição tivesse sido pela palavra "Cabr**", que consta na base de dados geográfica do próprio googlemaps, recorri da decisão. Parti do princípio que, sendo o recurso analisado por alguém e não de forma automática, a incongruência fosse detetada. Mas nada: o recurso foi recusado sob a justificação de " interação falsa". 

No te entiendo...

terça-feira, 15 de agosto de 2023

CABRĀO

CABRĀO. 
Rio Cabrāo.
Nada de vernáculo. Somente toponímia: simultâneamente linha de água e localidade.
Rio Cabrāo não se deixou intimidar com a vergonha do nome, ao contrário de Constância e de Amadora. Acolhe bem os seus visitantes, atraídos pelas exuberantes cascatas do dito rio, afluente do Lima. Um pequeno percurso pedestre de cerca de 600 metros, ascendendo 150 metros, permite atingir o extenso rochedo constantemente afagado pela água, em menor quantidade neste quente verão.
 Após percorrer veredas, túneis de vegetação, escadas em madeira, passadiços e penedos, atinge-se uma pequena plataforma em madeira sobre a base da cascata. Para jusante, o vasto vale do Lima, abperderbde vista lá para os lados da serra Amarela, pintado de verde mais intenso pelas últimas e recentes chuvas e com uma mancha branca, fumo resultante de um incêndio florestal, em segundas núpcias, depois de abandonado prematuramente. 
Lá longe, na outra margem, o cibilar dos altifalantes da igreja de Santa Cruz do Lima, no dia da festa anual, concorria com o rumorejar da água e o canto da passarada. 
A cascata merece certamente um regresso, na estação fria, com mais água e sem a poluição dos sistemas sonoros dos campanários.


quarta-feira, 3 de maio de 2023

A Rosinha e os políticos carentes de modéstia


Rosinha. Não, não é a exuberante e espanpanante cantora de modas e tocadora de concertina. Rosinha é uma senhora idosa, 90 anos de dura vida rural minhota. Sem filhos, viúva há vários anos, aconchega-se nos seus sobrinhos e descentes e nos seus convidados efémeros que visitam a aldeia onde vive. Sorrindo com os olhos, incentiva constantemente a prova do seu pão de ló com queijo, os bolinhos e o chá, consumidos na sua modesta casinha com vista fulgurante sobre o rio Lima. A sua minúscula hortinha é suficiente para produzir também dádivas para os seus convidados. A Rosinha dá tudo sem ter nada.
A padaria de Gemieira, pequena qb mas já com um balcão envidraçado e iluminado, apresenta na montra, ainda quentes e crocantes, broas onde a manteiga se derrete e a alma se aconchega.
- Quanto custa?
- 3,8 euros, responde o empregado, referindo-se a uma despesa que ascenderia a três vezes mais nas pretensiosas pastelarias da baixa lisboeta.
- Posso pagar com cartão?
- Isso não temos, retorquiu o empregado com timidez e com receio de ofender o cliente pela recusa.
Mas logo de seguida, abriu os olhos, sorriu e declarou:
- Mas pode pagar com MBWay. Dou-lhe o telemóvel da patroa e envia-lhe o dinheiro.
Efetuei a transação, peguei no saco quente e que exalava aromas inconfundíveis e, quando ia a sair, voltei para trás e perguntei:
- Mas como é que sabe que efetuei a transferência? Não viu o meu telemóvel nem o dinheiro caiu na sua conta....
Encolheu os ombros e mirou-me fixamente, pensando certamente que os gajos da cidade são muito complicados. 
O telejornal da noite retomou a famigerada novela do ministro que despediu o seu adjunto por este ter mentido ao dizer que o ministro mentiu. Conferência de imprensa onde se vislumbra pouca verdade, nenhuma justificação de factos e ausência de admissão de erros. Os que exercem altos cargos públicos não se enganam. Tomam opções menos certas.  
A arrogância e narcisismo de alguns políticos, muitos deles jovens e carentes de valores e princípios básicos, faz o jantar cair mal no estômago e nos intestinos. Vísceras, principalmente as relacionadas com o sistema digestivo, estão ao nível de sua atuação. 
Necessitavam todos eles, principalmente os mais novos, antes de desempenharem funções públicas, tirocinarem alguns meses com a Rosinha e o padeiro minhoto. 

domingo, 14 de agosto de 2022

Quero cheirar teu bacalhau, Maria... pum pum pum

Vale do Lima. Zona montanhosa, bucólica e verdejante. Machas de povamentos florestais de matizadas de verde, mescladas de casario branco e cor de telha. As linhas de água canalizam o precioso líquido em corrida mais ou menos rápida. Sentados numa relaxante cadeira, sob uma contorcida nogueira, a meia encosta do famoso vale, saboreamos esta agradável paisagem. O paraiso!!

Mas não tanto. Com  decibéis que ultrapassam certamente os valoŕes recomendados ou mesmo legais, a música vomitada pelos altifalantes das igrejas arranham os timpanos mais calejados. 

"Tu queres mas não  ten'rabo", canta o Zé do Pipo. " Na  minha cama com ela", exalta a bombeira de Cascais, logo secundada pela menina do Neil Monteiro a lastimar-e por não saber como sair da praia "...com os marmelinhos quase de fora".

O sossego e a paisagem são violados por esta intrusão, estranha ao ecossistema. Tradição?! Não.  A tradição não se cria num periodo temporal de 50 anos, data a partir da qual terão surgido estes diabólicos amplificadores instalados na casa do Senhor. Também este tipo de música de satanás é imberbe e não ficará para a história. 

"Elas fazem falta, animam a malta, o mundo sem mulheres era melhor acabar..." canta esganiçado, ao ritmo de concertinas, um vocalista desconhecido.  (música e letra muito distantes de "O que faz falta!" do Zeca).

Talvez venha breve uma nova determinação Papal terminando com esta tortura, dando descanso ao espírito dos abnegados minhotos e dos visitantes esporádicos e habituais desta maravilhosa região.

Parou o barulho!! Ufaaa. Finalmente. O que se escuta lá  ao fundo, a aproximar-se?  É um grupo de bombos a rufar ao passo de marcha. Acompanhados pelo ribombar de morteiros.

E retoma o ruído da música pimba a afogar todo o Vale do Lima: "Quero cheirar teu bacalhau, Maria..."

Pode ser que durante a semana a coisa acalme e seja possivel a concentração na literatura de férias ... 🙂

"...para quando chegar a casa, põe  o bacalhau em brasa, Maria...pum, pum, pum " 

🙈🙉🙊

terça-feira, 26 de abril de 2022

Novamente o alto Minho

Minho. Novamente alto Minho. Não cansa. Fim de semana prolongado sobre o qual, felizmente, o IPMA se enganou redondamente.
Iniciámos o caminho muito batido entre Ponte da Barca e Lindoso onde já não são habituais as pequenas manadas das bem domesticada vacas de raça minhota, regressando ordeira e lânguidamente ao seu estábulo, pela berma da estrada nacional. 
Logo após entrada em Espanha e ultrapassada a casa vazia da Guarda fronteiriça  que lembra o Estado Novo, guinámos para norte e transposemos a carente albufeira do Lindoso, que ainda, a esta data, regista níveis hidrometricos históricos. A carcaça da antiga aldeia de Aceredo, que emergiu do Lima depois de escondida desde o início dos anos 90 do século passado, vem encher de nostalgia os seus antigos habitantes.
Percorremos um dos extremos mais recônditos de Espanha, o município raiano e exaurido de Entrimo, com pouco mais de 1000 habitantes. Aldeias perdidas no tempo e no nevoeiro, com os seus habitantes envergando rudes mantelas, apascentando a sua fonte de subsistência. 
Surge de fronte o maciço granítico da Serra da Peneda. Habitualmente visitado do lado português, agora na perspetiva de nascente. Castro Laboreiro, no extremo noroeste do nosso único Parque Nacional, invadida por turistas à procura de  ar puro e do gosto do cabrito assado. Nunca mencionem aos seus habitantes o "Parque do Gerês". Tão grave  como referir parque natural de Sintra ou parque natural de Cascais aos habitantes de Cascais ou de Sintra, respetivamente. Não estamos no Gerês mas sim na Peneda.
Encostas com explosões lilases que não o são. Não são lilases mas sim urzes que despontam na Primavera.
Passagem por localidades perdidas no meio do nada, que não o são ou que o são noutro lado: Alcobaça, Barreiro, Adofreire, até finalmente chegarmos a Cevide.
Cevide. A localidade mais setentrional de Portugal, ladeada pelos rios Minho e  Trancoso, terra de contrabandistas passados, homens e mulheres. Guardião do marco de fronteira n°1 com Espanha, estrategicamente aproveitado pelos arautos dos passadiços.
- Olá. Estão de visita a Cevide? Eu sou o Mário . 
Foi com estas palavras que se apresentou o  anfitrião do simbolismo deste local. O Mário é enfermeiro no hospital de Ponte de Lima mas sempre que pode desloca-se com a mulher para uma antiga casa de seus antepassados e incrementam a residual população de Cevide. Forte divulgador da história e geografía local, aproveita também para vender um alvarinho que, embora tenha a proveniência da Quinta de Soalheiro, atribuiu-lhe o nome de "aqui começa Portugal" em homenagem à aldeia e ao referido marco. Extrovertido e falador, consegue facilmente convencer os visitantes do valor histórico daquele local. E até ficámos a saber que é colega de trabalho da nossa prima Alzira. 🙂
Próxima paragem: Melgaço. A transbordar de visitantes para a feira anual do alvarinho e do fumeiro, não sobrou um simples lugar de estacionamento. Nem sequer em uma dos passeios ou a ocupar parcialmente a faixa de rodagem. 
Seguimos de imediato para a luminosa Vigo, porta de entrada das rias baixas e um ótimo local para degustar fresco "mejillones" e outro marisco. A zona do Porto, cosmopolita, atrai passeantes de domingo e músicos de ocasião. 
De regresso a Ponte de Lima, como bons portugueses que já não têm caramelos para comprar, enchem o depósito com combustível galego que permitirá uma viagem  mais suave à região ribatejana.