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segunda-feira, 17 de maio de 2021

PR1 - arribas do Tejo

                                             

 - Senhores passageiros. Vai sair da linha número 2 o comboio regional com destino a Castelo Branco, com paragem  em todas as estações e apeadeiros.

Estação do Entroncamento. 7h45mn. Despida de passageiros devido à preguiça dominical e à pandemia, a composição inicia ruidosa e lentamente o seu percurso. desliza pela Linha da Beira Baixa, uma das mais cénicas de Portugal. O primeiro lanço, de Abrantes à estação da Covilhã, entrou ao serviço em 6 de setembro de 1891, tendo a linha sido concluída com a inauguração até à Guarda, em 11 de maio de 1893, há 128 anos portanto.

Acabámos de passar pela estação de Alvega-Ortiga. Relembro as recentes notícias nos pasquins regionais dando conta da proposta da autarquia ortiguense de mudança de nome para Ortiga-Mação, porquanto a ligação com Alvega, na outra margem, já se perdeu, com o termo da travessia por barco e a menor dependência comercial e social daquela povoação.

- Senhores passageiros: próxima paragem,  apeadeiro da barragem de Belver. Uma indicação personalizada dado ser o único passageiro visível no comboio. Saída pelo cais sul, com acesso direto às instalações da estação; o cais norte  é... a esplanada do restaurante da Lena. Uma ótima opção para caminhantes que se fiquem pela viagem de comboio... 😁

Antes de iniciar o percurso pedestre entrei  no estabelecimento. Balcão de mármore, montra com  Kinder Bueno e pastilhas Gorila.

- Olá bom dia. (10sec). Bom dia, está alguém?
- Já vai. Só um bocadinho, estou na cozinha. 

Depois de conversar com a D. Lena e com o filho fiquei a saber que o restaurante só funciona por marcações e tem como especialidade a lampreia (só na época dela). Estava chorosa a D Lena: fazia anos que o marido faleceu. Ficou combinado, numa próxima caminhada, um almocinho. Refeição completa a bom preço, com uma atençãozinha caso não peça fatura.

A pequena rota 1, PR1, arribas do Tejo, circular, desenvolve -se pelas duas margens do Tejo, nos concelhos de Mação e Gavião. Inicia-se na praia fluvial de Ortiga, local balnear e de pesca desportiva, com as margens tingidas de branco pela invasora Zantedeschia aethiopica, o jarro ou o copo-de-leite como nome comum, muito apreciados pelas tradicionais donas de casa dos anos 60 e 70.

O percurso da margem norte, ou direita, apresenta desníveis suaves, exceto na fase inicial em que no extremo da ascensão se pode apreciar o troço do rio que vai da barragem de Belver até ao castelo com o mesmo nome e as arribas para o Tejo, que dão o nome ao trilho. Vários quilómetros sem  ver vivalma e onde os sentidos se concentram na explosão de cores primaveris, cheiros e sons claros e cristalinos da passarada, insetos e rumorejar da folhagem.


A vereda acompanha várias estremas de zonas de caça que, através das respetivas placas sinalizadores, traçam o percurso dos serviços florestais al longo dos anos: DGF, DGRF, AFN, ICNF. 

A entrada em Belver faz-se pelo norte, o que permite visualizar uma perspetiva deslumbrante do altaneiro castelo. O trilho acompanha uma linha de água profunda e com vestígios de infraestruturas de aproveitamento hídrico.

Já na povoação constatou -se, através de um lacónico aviso colado no vidro da porta do centro de saúde, que este se encontra encerrada em virtude do Dr. Cabaço se ter reformado..

Com a passagem da centenária ponte rodoviária sobre o Tejo, que sustenta a E244, começa o desassossego gerado pelos passageiros de múltiplas camionetas de turismo que têm como único objetivo transporem os escassos quilómetros de passadiço até à praia fluvial do Alamal. Apesar de, do troço de madeira, se observar  uma paisagem fulgurante para Belver e o seu castelo, é  de evitar este local, pelo menos ao fim de semana.

O troço final entre o Alamal e a barragem de Belver, pela margem sul, é uma autêntica montanha russa, vertical e horizontal, onde praticamente todo o percurso se desenvolve através de um agradável túnel vegetal que acompanha o rio Tejo a várias altitudes. A luxuriante, diversa e intensa vegetação, embora ainda a recuperar de recente incêndio rural, nada fica a dever à Laurissilva (desculpem-me a comparação, os colegas fitosociólogos puristas).


Foram cerca de 5 horas, 16 km palmilhados com alguma dificuldade e esforço. perfeitamente  compensado pela bonita paisagem, pelo isolamento relaxante e pelo café e a conversa da D.Luisa.. 

Adquirido fôlego, energia e oxigénio para mais alguns dias de teletrabalho e de máscara obrigatória.



domingo, 3 de janeiro de 2021

Encontros ao longo do trilho de Jans - Nisa

     

- Olá, bom dia. É para visitar o Castelo?

- Quando quiser é só dizer. Eu abro-lhe a porta.   

Apercebi-me que o interlocutor, que surgiu do nada logo após ter estacionado o meu carro na praça central da aldeia, junto à velha mas imponente  fortaleza, era nem mais nem menos do que o funcionário do posto de turismo e também responsável pela abertura, fecho e manutenção do interior do Castelo.

Informando-o de qual era o meu  objetivo,  entregou-me diligentemente cartografia  do local e orientou no sentido do início do percurso pedestre de Amieira do Tejo.

Como qualquer bom percurso numa manhã fria de nevoeiro, o início tem de resvalar para um local onde sirvam café, neste caso a associação recreativa local. Após saborear a desejada bica, de forma mais apressada e decidida do que o vizinho  de balcão cujo copo de três era sorvido lentamente, iniciei o PR 1 - trilho de jans, circular, com cerca de 11 km, em direção ao rio Tejo. Primeiro ao longo de uma paisagem ondulada, remendada com pastagens luxuriantes, carvalhais e olivais, em direção ao banco de nevoeiro que se vislumbrava lá em baixo, no vale. Curiosamente, com o avançar do percurso e  da manhã, a neblina foi-se dissipando, qual mar vermelho aberto por Moisés, e deixava observar paisagens magníficas e feéricas. Percurso atapetado de musgo e herbáceas brilhantes de orvalho e uma constante presença invisível dos dedicados javalis que insistiam em interromper o referido tapete verde. Prados com gado ronceiro e curioso, mantido por pastores modernos, cavalgando veículos 4x4 mas não deixando de, diligentemente, oferecer o seu pequeno-almoço a um estranho que,  incompreensivelmente trocou o quente dos lençóis por um esforço matinal com temperaturas próximas do zero.

Até que, no início da abrupta descida para o rio, protegida por uma confortável e salvadora escadaria em madeira, surge, entre o nevoeiro esfarrapado, o maravilhoso e profundo vale do Tejo, com a barragem do Fratel unindo as suas margens, e a linha de comboio, rio abaixo e rio acima, de braço dado com o leito do rio mais extenso da península ibérica.

A chegada à margem do Tejo caudaloso, alimentado pela descarga de superfície da  barragem, permitiu conhecer pela primeira vez o extenso muro de sirga que parecia  concorrer com a linha da Beira Baixa, na outra margem. Não me recordo de alguma vez, nas longínquas infância e adolescência, ter ouvido falar destas estruturas de pedra, nalgumas zonas autênticas muralhas, que serviram em tempos idos para dar a força necessária aos barqueiros, através de cabos de sirga, para transporem as zonas mais caudalosas que o vento ou os remos não permitiam contrariar. E eram os animais ou a força humana, esticando esses cabos, que permitiam que as embarcações chegassem ao bom porto de Vila Velha de Ródão ou a terras de Castela.

E o percurso continuou, sempre acompanhado do rumorejar das águas revoltas,  dos saltos dos riachos em pequenas cascatas que se fundiam com o Tejo, do piar da diversificada e irreconhecível passarada e do voar atabalhoada das garças.

A passagem de uma locomotiva de manutenção pela linha da Beira Baixa, cujo maquinista acenou de forma simpática, quebrou momentaneamente a paz daquela tranquila paisagem rural.

Chegada à margem oposta de Barca da Amieira, local de transposição do curso de água com recurso a uma barca moderna e motorizada, verificou-se estar esta inoperacional devido aos mais de  430 m3/s golfados pela barragem. Barca da Amieira foi em tempos o local de passagem do corpo da rainha santa Isabel, falecida em Estremoz e sepultada na famosa igreja de Coimbra.

Na reta final do percurso, no remontar ao povoado de  Amieira do Tejo, o trilho passava inesperadamente por uma zona de acesso interdito, por ser privada. No entanto os  caminhantes, como afirmava a placa  informativa, eram bem-vindos e o seu acesso era feito por uma porta especialmente erguida para eles.

- Claro que sim. É sempre em frente, pelo caminho de terra batida - informou sorridente um trabalhador da quinta depois de lhe ter perguntado, timidamente, se podia passar.

Para trás ficava a deslumbrante paisagem pastoral do vale do Tejo.

Antes de entrar no troço alcatroado, surgiram dois pontos saltitantes que desciam encosta abaixo, por entre a vegetação esparsa e a transbordar de clorofila. Com a aproximação apercebi-me serem duas raposas, com suas causas farfalhudas, que, alegremente, à medida que avançavam, se desafiavam e mordiscavam.

Com o castelo ao fundo, entre as casas brancas e rasteiras da aldeia, ocupado em tempos pelo condestável D. Nuno, a estrada, murada, serpenteava pelo meio dos campos. Os condutores dos automóveis que, pontualmente, nela passavam, cumprimentavam. No percurso de regresso, os mesmos condutores insistiam na saudação cordial e calorosa.

Cerca de 4 horas depois, de chegada novamente ao largo do castelo, este já se encontrava fechado e o amável funcionário camarário, por ser a sua hora de almoço, já tinha interrompido o corte de vegetação no seu interior, sempre de olho no balcão do posto de turismo, também da sua responsabilidade.

Percurso terminado mas não concluído: em  abril será retomado e repetido, recorrendo então ao comboio até à estação de Barca da Amieira- Envendos e posterior passagem do concelho de Mação para o de Nisa utilizando o denominado transbordador. E vai haver certamente uma paragem, pela hora do almoço, na associação recreativa onde, com mais calma, poderemos certamente saborear uma bifana e um copo de três, quiçá acompanhado pelo tal habitante de Amieira do Tejo.

Estão convidados.


RN, 3jan2021