terça-feira, 6 de dezembro de 2022

De revisita a Praga

 De revisita a Praga!! A cidade onde aprendi a beber cerveja, na primeira visita, no início dos anos 90 do século passado e após uma tentativa de a visitar, alguns anos antes, gorada pela guarda fronteiriça checa, na fronteira com a Polónia, que não nos emitiu o visto devido à hora tardia.

Considerada uma das mais bonitas cidades da europa, reúne os três fatores essenciais para figurar no top 10: um castelo/palácio num ponto alto, um rio delimitador e orografia ondulada e suave (as mesmas características da nossa bela Lisboa). Acrescento a esta valoração o custo de vida muito semelhante ao de Portugal e uma rede de transportes públicos fenomenal.

A cidade é dividida pelo rio Moldava. Para uma estada curta, a visita de uma margem num dia e da outra noutro pode ser uma opção. Na margem esquerda, a poente, localiza-se a zona alta, com o castelo, um polvilhado de igrejas e o monte onde está implantada a torre Petrin, debruçada sobre a parte nascente, a margem direita do rio, com declives suaves e com a parte mais antiga da cidade. A ligar as margens, várias pontes de distintas classes etárias facilitam a vida ao visitante sendo que, uma delas, a ponte Carlos, reservada a peões, nos períodos de maior atividade turística é dificilmente observável do interior tal o emaranhado de uma trupe de turistas cosmopolitas que se expressam em linguagens estranhas e exóticas, e de vendedores de serviços e souvenirs que aqueles mesmos turistas cercam.

Os transportes públicos são de uma eficácia impressionante, com uma rede bem conectada e permanente de metro, elétricos e autocarros. E comboios para vencer maiores distâncias, fora da cidade. Com o telemóvel, através de uma aplicação própria, conseguimos a proeza de comprar, armazenar e validar o título de transporte. A mesma aplicação diz-nos, com recurso ao GPS do telemóvel, em que paragem estamos, quais os próximos autocarros que a ela chegarão, a que horas, com precisão ao minuto, e qual o que deveremos apanhar para o destino pretendido.

Boa comida. Destaco o gulash, com as suas diferentes versões e acompanhamentos, sendo o mais frequente e típico o pão: umas fatias de um pão muito mal cozido, se é que o foi, que permitem absorver a deliciosa “molhenga” daquele refogado de carne à base de pimento,  bastante condimentado. O queijo frito é também uma especialidade muito apreciada pelos autóctones e turistas. E como acompanhante, sempre, sempre, sempre, a deliciosa e cremosa cerveja checa, branca, preta, com sabor único e consistência cremosa, pouco gasosa e quase ao nível da famosa Guiness.

Mesmo com pouco contato os funcionários do comércio e restauração nota-se algo que desagrada: a pouca simpatia e afastamento emotivo permanente daquela gente. Longe do português afável, pronto a ajudar e mesmo, por vezes, um pouco intrometido. Não se entende que um país que tem no setor turismo, pontualmente, uma importante entrada de divisas permita esta situação, sendo certo, contudo, que também se encontram pessoas prestáveis e simpáticas.

Uma cidade a visitar, calma, embora pacificamente invadida pelos turistas. Bastante diferente da anterior visita, com a Checoslováquia ainda integrando o Pacto de Varsóvia, em que as únicas multidões eram aquelas de que fugimos algumas vezes e que formavam uma onda instigada pela polícia, num movimento que mais tarde se convencionou chamar a revolução de veludo. Uma cidade a 3 horas e meia de voo de Portugal, que não deixa vazios os bolsos dos portugueses e enche de prazer e êxtase o turista sequioso de novas sensações.


Guia prático

Orientação: o rio é a referência. Caso se percam, a procura pelo rio serve de bússola, tal como a zona alta com o castelo e a torre Petrin. Mapas da cidade são fornecidos nos hotéis e postos de turismo, caso não optem pela tecnologia do GoogleMaps

Transportes: uma rede de transportes fascinante e eficaz. A chave está aqui: https://pid.cz/en/. Descarreguem a app para o telemóvel e ficam com uma varinha mágica do transporte público. Bilhetes para 30, 90 minutos, a pouco mais de 1 euro, e também de 24 e 72 horas. As viagens de e para o aeroporto incluem-se nesta rede urbana.

Alimentação: boa comida tal como acima já explicado. Deixo como referência dois restaurantes com comida típica e preços relativamente acessíveis para um normal turista luso:


  

(1) Lokál U Bílé kuželky    https://lokal-ubilekuzelky.ambi.cz/en/ , no caminho entre a ponte Carlos e a zona alta da cidade, oferece um menu variado com as especialidades habituais. Salas distribuídas por dois pisos, sendo um deles cave, estilo adega, com tetos em arco e baixos;
(2)  Havelská Koruna, tipo self-service, com uma variedade imensa de pratos e a um preço mais acessível. Provem as sopas e, sempre, a deliciosa cerveja.

 Estadia: Grande oferta que se adapta às mais variedades bolsas. Ficámos no Aparthotel Áustria Suite, http://www.aparthotel-austriasuites.cz/, localizado na zona de Andél, a sudoeste do centro da cidade, mas que permite um fácil acesso pedestre a este. Um bom pequeno-almoço entregue no apartamento na hora pretendida.

O que visitar? Numa qualquer cidade europeia, os locais a visitar dependem muito dos interesses do visitante. Por isso é sempre aconselhável a aquisição de um guia, em papel ou digital, que permita um planeamento atempado da visita. Conselho: Lonelyplanet Praga: https://www.lonelyplanet.com/czech-republic/prague  

Pagamentos e levantamentos: a Chéquia não integra a zona euro. Utiliza a coroa checa pelo que a troca de moeda ou o levantamento em caixas automáticas locais impõe-se. No entanto o pagamento eletrónico é uma possibilidade generalizada pelo que, na prática, poderemos passar alguns dias na cidade sem ter uma cora sequer no bolso. Os levantamentos com cartões de débito da maior parte dos bancos portuguese, na rede Visa e MasterCard (a rede Multibanco não funciona, naturalmente), são presenteados com taxas fixas e variáveis que desincentivam a sua utilização. Os pagamentos em terminais cobram somente taxas variáveis, uma percentagem do consumo total. A solução para evitar um desfalque significativo é a abertura de uma conta Revolut ou Wise. Possuo a primeira e não quero outra coisa. Abertura de conta e sua manutenção sem quaisquer encargos (nalguns casos cobram somente o custo da elaboração do cartão físico), sem taxas coletadas pela instituição nos levantamentos ou pagamentos, sendo contudo necessário verificar se o banco onde se faz o levantamento cobra, por sua iniciativa, alguma taxa. Os pagamentos em terminais da rede Visa ou MasterCard não estão sujeitos a taxas, fixas ou percentuais, sendo de assinalar somente uma taxa de câmbio de fim de semana de 1%, no caso da transação se realizar aos sábados ou domingos (eventualmente feriados). https://www.revolut.com/

Comunicações: por ser um país da União Europeia, o sistema de comunicações em roaming não é um problema. As condições de utilização contratualizadas para comunicações em Portugal adaptam-se também à Republica Checa, voz e dados, ou seja, se possuirmos por exemplo um pacote MEO com telemóvel com chamadas ilimitadas e dados, a utilização naquele país é como se estivéssemos em Portugal. No entanto uma chamada para outro país que não Portugal ou Chéquia é cobrada como comunicação internacional. O plafond de dados móveis (acesso à Internet) é o mesmo que possuímos em Portugal. Portanto, e na prática, nem nos apercebemos que estamos a utilizar o telemóvel num país estrangeiro.

 

Praga, dezembro de 2022




segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

A Flauta de Deus

Cabisbaixo, doente, nervoso mas atento, o espetador da primeira fila, Wolfgang, trauteava a melodia caótica libertada pelos músicos presentes no fosso da orquestra. O  recentemente inaugurado  teatro de Praga, Stavovské divadlo, estreava  a jovem peça  de Amadeus que viu a luz do dia em Viena em 1791.O teatro estava cheio. 


O grande candelabro exalava um cheiro intenso a estearina das centenas de velas que tremeluziam os 3 níveis de balcões e os seus ocupantes. Na inexistência deste odor e do aroma de saquinhos com ervas cheirosas transportados debaixo das roupas dos aristocratas, o cheiro na sala de espetaculos seria insuportável. A distribuição do público pelo teatro relacionava-se com a classe social, inversamente proporcional ao piso ocupado. O fru-fru da seda dos vestidos das senhoras a roçar as poltronas e o burburinho indiciador de trocas de ideias malaciosas entre os audientes, esbateram-se com o início  do primeiro ato.  Num enredo sinuoso, Tamino, o príncipe, contracenava com Pamina, a filha da rainha da rainha da noite, entre as pantominices do caçador  de pássaros, Papaguino. A ária da rainha da noite, imponente mas simultaneamente alegre e solta, fez com que, no final, o público exaltasse da sua  satisfação e  prazer. Mozart na primeira fila, atento ao desempenho dos atores, tomava notas freneticamente que iram servir certamente para tornar ainda melhorar a ópera Flauta Mágica. Morreu naquele mesmo ano da graça de Deus de 1791.


- "Excuse me". Acordei dos pensamentos.
Um casal de americanos tentava passar para uma cadeira da mesma linha da 1° galeria.
Estávamos no mesmo teatro 230 anos depois da imaginária cena a ima relatada (imaginária porque estávamos no seculo XXI e porque a estreia da Flauta Mágica em Praga não contou com a presença  do compositor devido á  sua morte prematura). Um dos mais antigos teatros da europa e com espetáculos ininterruptos desde a sua construção . No entanto a ópera era a mesma. O penúltimo drama musicado pelo conhecido génio.
Sentados na primeira galeria, um lugar lateral do quarto andar, comprado online 15 dias antes de entre 3 ou 4 disponíveis, a atenção distribuía-se por três  palcos: o palco propriamente dito e a razão principal daquela sala de espetáculos, o fosso da orquestra e o espaço por onde se distribuía a assistência, desde a plateia até à segunda galeria, um vertiginoso quinto andar.
O palco, pouco largo,  prolongava-se por uma profundidade maior que o comprimento da plateia o que permitia a criação de cenas sobrepostas e com grande perspetiva. Sobre o palco, um recurso multimedia ausente no tempo de Mozart, em que o alemão imperava, permitia legendar para checo e inglês a fria, autoritária e incompreensível língua germânica.
No exíguo espaço confinado pelo pelo palco e pelas muralhas laterais, a orquestra, dominada pelos instrumentos de corda e sopro, marcava o compasso aos atores e figurantes.
A plateia e restantes setores por onde se distribuíam as centenas de melómanos  despertavam, pelas peculiaridade e diversidade, uma atenção muito especial: o casal no camarote de fronte, ela sentada, ele em pé durante as quase 3 horas de espetáculo, alternando o olhar entre o palco e o espelho presente na parede do seu cubículo; a criança que, com pouco mais de 10 anos, assistia comovida e embevecida, sozinha, ao deambular ritmado e melódico do barítono e da soprano; e o casal de americanos das cadeiras contíguas que, sonolentos, lânguidos  e desatentos ,  desertaram  no final do primeiro ato sem assistirem à alegre e musical união de facto entre Papaguino e Papaguina.

 Como refere o texto de apresentação da obra, os autores da ópera Flauta Mágica , música genial de Wolfgang Amadeus Mozart e libreto do seu amigo Schikaneder, vieram da tradição da antiga ópera mágica vienense, na qual, ao lado de personagens do mundo humano, atuavam várias criaturas e animais de contos de fadas, bem articulados com os  efeitos da maquinaria cénica.
No final, este cenário  feérico estendeu-se para o exterior do teatro com um manto de neve que cobriu de paz as ruas e árvores da cidade de Praga.

A Flauta Mágica, flauta de Deus.

Praga, dezembro de 2022