domingo, 14 de fevereiro de 2021

Asterix poliglota


 


Numa passagem rápida pela FNAC comprei o último álbum de Asterix.
Quando cheguei a casa e me preparei para o saborear reparei que na capa, antecedendo o  nome do novo autor Ferri, surgia a palavra TESTO e, antecipando o nome do desenhista Conrad, constava a palavra DEZEINHOS.
Primeira conclusão apressada, com um sorriso de escarnio: então não é que estes gajos  da editora publicaram  uma impressão com erros?
Numa passagem rápida pelos quadrinhos do interior do livro constato que o texto estava escrito numa língua que não o português. -- Talvez espanhol, presumi sem grandes raciocínios. Mais um engano!!
Quando inicio a leitura cuidada e atenta da obra, como aliás faço com todos os álbuns destes nossos heróis, verifiquei que na página que mostra o mapa da Gália com o enclave dos irredutível gauleses rodeado por guarnições romanas constava o seguinte texto:
"Stamos an 50 antes de Jasus Cristo. Toda a Gália sta adominada puls romanos... Toda? Nó! Ua aldé chena d'eirredutibles gouleses rejiste inda e siempre al ambasor. I la bida num ye fácele pa las guarniçones de lhegionairos romanos de ls acampamientos..."

Quando sair o próximo álbum original faço questão de comprar, para além da versão em Mirandês, também o livro no dialeto Minderico.    ☺☺


domingo, 3 de janeiro de 2021

Encontros ao longo do trilho de Jans - Nisa

     

- Olá, bom dia. É para visitar o Castelo?

- Quando quiser é só dizer. Eu abro-lhe a porta.   

Apercebi-me que o interlocutor, que surgiu do nada logo após ter estacionado o meu carro na praça central da aldeia, junto à velha mas imponente  fortaleza, era nem mais nem menos do que o funcionário do posto de turismo e também responsável pela abertura, fecho e manutenção do interior do Castelo.

Informando-o de qual era o meu  objetivo,  entregou-me diligentemente cartografia  do local e orientou no sentido do início do percurso pedestre de Amieira do Tejo.

Como qualquer bom percurso numa manhã fria de nevoeiro, o início tem de resvalar para um local onde sirvam café, neste caso a associação recreativa local. Após saborear a desejada bica, de forma mais apressada e decidida do que o vizinho  de balcão cujo copo de três era sorvido lentamente, iniciei o PR 1 - trilho de jans, circular, com cerca de 11 km, em direção ao rio Tejo. Primeiro ao longo de uma paisagem ondulada, remendada com pastagens luxuriantes, carvalhais e olivais, em direção ao banco de nevoeiro que se vislumbrava lá em baixo, no vale. Curiosamente, com o avançar do percurso e  da manhã, a neblina foi-se dissipando, qual mar vermelho aberto por Moisés, e deixava observar paisagens magníficas e feéricas. Percurso atapetado de musgo e herbáceas brilhantes de orvalho e uma constante presença invisível dos dedicados javalis que insistiam em interromper o referido tapete verde. Prados com gado ronceiro e curioso, mantido por pastores modernos, cavalgando veículos 4x4 mas não deixando de, diligentemente, oferecer o seu pequeno-almoço a um estranho que,  incompreensivelmente trocou o quente dos lençóis por um esforço matinal com temperaturas próximas do zero.

Até que, no início da abrupta descida para o rio, protegida por uma confortável e salvadora escadaria em madeira, surge, entre o nevoeiro esfarrapado, o maravilhoso e profundo vale do Tejo, com a barragem do Fratel unindo as suas margens, e a linha de comboio, rio abaixo e rio acima, de braço dado com o leito do rio mais extenso da península ibérica.

A chegada à margem do Tejo caudaloso, alimentado pela descarga de superfície da  barragem, permitiu conhecer pela primeira vez o extenso muro de sirga que parecia  concorrer com a linha da Beira Baixa, na outra margem. Não me recordo de alguma vez, nas longínquas infância e adolescência, ter ouvido falar destas estruturas de pedra, nalgumas zonas autênticas muralhas, que serviram em tempos idos para dar a força necessária aos barqueiros, através de cabos de sirga, para transporem as zonas mais caudalosas que o vento ou os remos não permitiam contrariar. E eram os animais ou a força humana, esticando esses cabos, que permitiam que as embarcações chegassem ao bom porto de Vila Velha de Ródão ou a terras de Castela.

E o percurso continuou, sempre acompanhado do rumorejar das águas revoltas,  dos saltos dos riachos em pequenas cascatas que se fundiam com o Tejo, do piar da diversificada e irreconhecível passarada e do voar atabalhoada das garças.

A passagem de uma locomotiva de manutenção pela linha da Beira Baixa, cujo maquinista acenou de forma simpática, quebrou momentaneamente a paz daquela tranquila paisagem rural.

Chegada à margem oposta de Barca da Amieira, local de transposição do curso de água com recurso a uma barca moderna e motorizada, verificou-se estar esta inoperacional devido aos mais de  430 m3/s golfados pela barragem. Barca da Amieira foi em tempos o local de passagem do corpo da rainha santa Isabel, falecida em Estremoz e sepultada na famosa igreja de Coimbra.

Na reta final do percurso, no remontar ao povoado de  Amieira do Tejo, o trilho passava inesperadamente por uma zona de acesso interdito, por ser privada. No entanto os  caminhantes, como afirmava a placa  informativa, eram bem-vindos e o seu acesso era feito por uma porta especialmente erguida para eles.

- Claro que sim. É sempre em frente, pelo caminho de terra batida - informou sorridente um trabalhador da quinta depois de lhe ter perguntado, timidamente, se podia passar.

Para trás ficava a deslumbrante paisagem pastoral do vale do Tejo.

Antes de entrar no troço alcatroado, surgiram dois pontos saltitantes que desciam encosta abaixo, por entre a vegetação esparsa e a transbordar de clorofila. Com a aproximação apercebi-me serem duas raposas, com suas causas farfalhudas, que, alegremente, à medida que avançavam, se desafiavam e mordiscavam.

Com o castelo ao fundo, entre as casas brancas e rasteiras da aldeia, ocupado em tempos pelo condestável D. Nuno, a estrada, murada, serpenteava pelo meio dos campos. Os condutores dos automóveis que, pontualmente, nela passavam, cumprimentavam. No percurso de regresso, os mesmos condutores insistiam na saudação cordial e calorosa.

Cerca de 4 horas depois, de chegada novamente ao largo do castelo, este já se encontrava fechado e o amável funcionário camarário, por ser a sua hora de almoço, já tinha interrompido o corte de vegetação no seu interior, sempre de olho no balcão do posto de turismo, também da sua responsabilidade.

Percurso terminado mas não concluído: em  abril será retomado e repetido, recorrendo então ao comboio até à estação de Barca da Amieira- Envendos e posterior passagem do concelho de Mação para o de Nisa utilizando o denominado transbordador. E vai haver certamente uma paragem, pela hora do almoço, na associação recreativa onde, com mais calma, poderemos certamente saborear uma bifana e um copo de três, quiçá acompanhado pelo tal habitante de Amieira do Tejo.

Estão convidados.


RN, 3jan2021






quarta-feira, 19 de agosto de 2020

O périplo raiano

 Depois de centenas de passagens pela A23 e na EN paralela, e olhar à distância, cobiçoso, para o monte monolítico, decidimos hoje inspecioná-lo. A terra usufruída pelo Zeca Afonso e pelo  Fernando Namora, que se estende desde a atual povoação ao castelo altaneiro, algumas boas centenas de metros  acima, vale mesmo a pena a visita, agora com turistas qb e que não  causam nódoa na imaculada paisagem.

Visitem Monsanto, o de Idanha. 

E a peregrinação continua, ao longo da rota dos castelo, cruzada por vezes com a rota da gastronomia. 
Penamacor, Sabugal, Castelo Bom,  Castelo Melhor, Almeida, FC Rodrigo, Freixo ES, Mogadouro e Miranda, enchidos, cozido, posta, bolo de cereja, queijo de ovelha. Que grandes e opíparas rotas.

Aqui vai uma fotografia da torre de menagem de Mogadouro. Das iguarias não tenho prova fotográfica, mas quando vos encontrar, a prova material será evidente. 😏


Episódio III - na senda das rotas, agora dos Miradouros e dos Castro, mas sempre, sempre, cruzada com a rota gastronómica. 

Miranda do Douro. Uma cidade ocupada por turistas espanhóis, embora, às vezes, ficamos sem saber se os vizinhos da mesa do lado estão a falar castelhano ou mirandês:

"Oulá Buonos dies. Quiero dues postas cun patata i berça. Para buber, ua malga  de bino carrascon."

Miranda do Douro está confinada pelos rios Fresno e Douro, sendo este uma fronteira física e abrupta com Espanha e que   colaborou com os nossos reis na delimitação política de Portugal.
Cheguei pela primeira vez a esta cidade há cerca de 20 anos, via aérea, e a impressão mantém-se: calma, rústica, natural e histórica. 
Há cerca de 300 anos, pouco depois do  que afetou Lisboa, Miranda sofreu o seu próprio terramoto. Durante a guerra dos 7 anos, o paiol explodiu, a cidade foi destruída e pereceram mais de 400 pessoas, o que na altura corresponderia a uma percentagem muito significativa da sua população . A sua importância política e religiosa perdeu-se, a ganho de Bragança. 
Apesar destas querelas com os espanhóis e seus aliados, a cidade está em convivência permanente com Espanha e o rio Douro. 
E como dizia a colaboradora da Estação Biológica Internacional do Douro: o meu Pai é português, de Miranda, a minha Mãe espanhola, e eu sou filha do rio. 

Aviso aos potenciais amigos do alheio : apesar de estar de férias, tenho gente em casa e, quando não tenho, o alarme está ligado .. 🤨









quarta-feira, 10 de junho de 2020

Ecovia do Vez

 Desta vez foi. Sem desculpa de mau tempo,  até porque a previsão era favorável, lá estávamos a caminho de Sistelo para iniciar pelo fim a ecovia do Vez. Mais de 20 km entre Sistelo e Arcos de Valdevez.

Pelas 11h a minha Presidente do Conselho deixou-me na aldeia, que nada ficava a dever a um dia 13 de maio em Fátima: engarrafamentos, grande densidade de visitantes, muita cor e agitação. 

E lá se iniciou o percurso serpenteante, ao longo do rio Vez, primeiro no troco de montante, mais cavado e com maiores declives, depois plano mas sem perder o ruído borbulhante da água que envolve e encharca a vegetação e os grandes barrocos polidos. 

Visitantes de todos os tipos percorrem o percurso bem sinalizado: os musculados e habituados a longas caminhadas por locais inóspitos e os autóctones e saloios, onde eu me incluía, que vão calcorrear os passadiços porque alguém lhes disse que valia a pena.

Foram 5 horas de intenso cansaço, facilmente compensado pelo prazer obtido das paisagens, da vegetação luxuriante e bem adaptada e animais mais ou menos selvagem. 


O crocitar da águia foi brutalmente interrompido por um grito de uma mulher, também passadiceira que dizia para o marido: óh carago, ainda falta muito para chegar ao Sistélo? As mines estão-se a acabar e já me doem os joanetes. 

Valha-me nossa Senhora, neste dia de Portugal.











quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

O Grão-Ducado

 Um país onde o ordenado mínimo se aproxima dos 2000 euros, uma refeição num restaurante barato ultrapassa os 17 euros e um kilo de frango 12 euros, tem bilhetes diários para os transportes públicos de todo o Grão-Ducado a 3,2 euros.

 E muito em breve passará a ser único no mundo: transportes públicos grátis para todos, exceto para as castas superiores que pretendam viajar em 1° classe, longe do suor do povo.




domingo, 30 de junho de 2019

A viagem da vida

 E aqui estás tu! 21 anos depois de nos teres sido apresentada num consultório médico: um pequeno feijão num canto claro da ecografia. 

Olhando para trás, passam num relâmpago os  momentos marcantes da tua  vida: o nascimento sofrido em  Abrantes, com vista para o Tejo; a primeira saída á rua, também ligada ao Tejo,  no Parque da Barquinha, as palmadas que levavas da tua irmã,  ciumenta por ter sido destronada no reinado de filha única. Foste a áhbuú, onomatopeia das tuas  manifestações de carinho. Passam as imagens de ti, empoleirada em estátua de um cervo em pleno Picos da Europa,  tomando banho  nas águas gélidas do Lima e no caldo do Algarve ou sul de Espanha, e mascarada de árabe no deck de um cruzeiro algures  na costa africana.

E surgiu a independência com a ajuda do humanista Erasmus. As terras frias polacas contrastaram com a costa amena do adriático, a quente vodka do bisonte com a fresca cerveja de Praga. Pouco estudo, muito convívio e boa-vida, que te ajudaram a formar como melhor mulher.

E aqui estás tu! 21 anos depois, formada em Fisioterapia, pronta a torcer pernas, esticar costas, mitigar dores,  singrar na vida e apoiares a família e os futuros pacientes. 

Empurramos-te pela falésia porque já consegues voar.




domingo, 9 de junho de 2019

Passeio ripícola

 Ecopista do Lima e do Vez. Percursos envolvidos em paisagens fascinantes, a água corrente sempre a acompanhar e o chilrear da passarada a substituir o Spotify. 14km, 3h, Jolda - Arcos de Valdevez.