terça-feira, 1 de novembro de 2022

PR8 Rota da Sirga - Gavião

- Câmara Municipal de Gavião, boa tarde.
- Olá, boa tarde. Pode-me passar ao posto de turismo?
- ... o posto de turismo está fechado... Vou tentar passar ao técnico de turismo do município.... não... são 17horas e um minuto e já deve ter saído... Sim, já saiu.
- Eu só queria saber se um percurso pedestre do município se encontrava aberto...
- Está a falar da rota da Sirga? - interrompeu a telefonista.
- Essa, sim...
- Sim, já está aberta. Pode percorrê-la, sem problemas.
Agradeci, desliguei e fiquei a pensar na importância da polivalência das telefonistas de pequenos municípios.
No dia seguinte o comboio partiu com rigor britânico. 7h46. Num feriado é ainda madrugada. A carruagem está salpicada de trabalhadores sonolentos. A atenção passou a ser a janela por onde se começa a ver o Tejo, acariciado por uma nébula rasteira. O castelo de Almourol e algumas garças cinzentas parecem flutuar num ambiente feérico. Com este cenário não temos qualquer dúvida que a princesa moura espera o seu príncipe atrás daquela janela rasgada nas espessas paredes de pedra.


Chegada a Belver. O castelo altaneiro e muito bem conservado domina a vila e o rio.
É necessário percorrer cerca de 1km para chegar ao início do trilho, passando pela quase centenária ponte que liga as duas margens do Tejo e que aproxima as principais localidades do concelho.


Inicia-se a pequena rota PR8, linear e com cerca de 6km. Quem espera um percurso plano, com bom piso, totalmente sustentado em passadiços, tal como o vizinho PR que passa pela praia do Alamal, desengane-se. Apesar de acompanhar o rio pela marguem esquerda, sempre a rasar a superfície da água, o trilho tem desníveis constantes, curtos mas de grande inclinação e apresenta um piso de rocha, o que dificulta grandemente a marcha e é muito exigente para as articulações dos membros inferiores. Efetivamente não entendia como o folheto que divulga o percurso refere 3 horas para fazer os 6km, mas depois de o iniciar verifica-se a razão.


O rio vai gordo e túrgido. Na verdade, nesta zona, estamos na presença da albufeira da barragem de Belver, que se estende quase até a barragem mais a montante, de Fratel.

 
Durante todo o percurso não se vislumbram povoações, nem sequer habitações, nem outros caminhantes, pelo que a sensação de envolvência no ambiente é total. Caminho sobre tapete multicolor de folhas castanhas, erva verdejante e xisto glauco, por entre túneis de vegetação na fase inicial do percurso e, na fase final, com bastantes troços com passadiços praticamente suspensos sobre a água e de onde se observam pedaços de sigra submersos na água e no tempo.

 
No fim do trilho o caminhante desemboca no PR2, que o leva até a aldeia de Atalaia,  zonas longínquas de locais onde se pode apanhar um comboio. A solução é, pois, o regresso pelo mesmo caminho e deslumbrar-se com perspetivas e cenários diferentes apesar do percurso ser o mesmo.


Regresso à deserta estação de Belver, hoje nem tanto dado final do fim de semana prolongado, onde o regional traz todos de regresso ao Entroncamento.
Um total de cerca de 15km percorridos, ganho de elevação de 450 m e derretidas 550 calorias, num percurso ideal para quem pretende passar algumas horas consumindo energia e revigorando o cérebro, entre guarda rios, lontras e fresca e bruxuleante vegetação ripícola, num ecossistema de enorme biodiversidade. 
 
A visitar!!!

PS: para quem se questionou acerca da razão do encerramento do trilho, o ICNF e a CM de Gavião optaram por esta medida para evitar que os grifos aí existentes, na sua fase de nidificação, abandonassem as colónias devido á proximidade do bicho-homem. Mais informação aqui.


Novembro de 2022

terça-feira, 30 de agosto de 2022

Isla de Ons

O arquipélago das ilhas Ons, integrado no Parque Nacional das Ilhas Atlânticas, barra a desembocadura da ria de Pontevedra.

A ilha de Ons é a mais extensa da costa atlântica da península ibérica, possui habitantes permanentes e uma diversidade biológica e paisagística digna de visita.

25de agosto de 2022


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sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Os 30 km de Viana - Caminha


Os galos anteciparam-se ao despertador do smartphone. 6 horas e inicia-se o raiar lento da manhã. 


O mini autocarro barulhento, semi cheio, encostou á paragem. Recorrendo a um molho de notas enterradas no bolso das calças e às moedas pretas armazenadas na caixa, o motorista faz o troco dos 4.5 euros. 
- É mais barato se comprar o bilhete já para Viana mas tem de mudar em Ponte de Lima, retorquiu o condutor. E assim fiz.
- Fecha essa janela, caralh*, parece que vai gear esta noite - exige uma passageira reinadia à sua amiga e companheira de banco. 
Ponte de Lima, Lanheses, Santa Marta de Portuzelo, Viana do Castelo. Estação de camionetas bem e milimetricamente  inserida na magnífica estação de comboios, local de onde deveria ter partido o primeiro comboio na linha do Lima, o que nunca chegou a acontecer, embora os trabalhos tenham, em tempos idos, sido iniciados. 
Início do planeado percurso pedestre. Mais um troço do Caminho de Santiago, este sem preocupação em angariar carimbos. Seguindo a ecovia do litoral atlântico que coincide com uma das alternativas do caminho de Santiago, caminho português da costa, chega-se a Caminha cerca de 30km depois. Troço de alguma distância e esforço apesar de não se assinalarem desníveis exigentes. 


Em Viana observa-se a logística e as infraestruturas provisórias instaladas para satisfazerem  as desejadas festas da Nossa Senhora da Agonia, de agosto de 2022, que rapidamente ficam para trás. Retoma-se o percurso junto à orla marítima. Viana, Carreço, Afife, Âncora e a sua praia, Moledo e Caminha. Percorrem-se praias proletárias, como a de Âncora, e zonas balneares burguesas onde o tipo de viaturas estacionadas e as vivendas estivais de segunda habitação são uma clara evidência do desafogo financeiro dos seu proprietários.  

 

 

Percurso em passadiços, trilho de terra batida e até em areia solta e escorregadia, permite a visita de ancestrais fortes que se opuseram a corsários e  piratas, estranhas torres, curiosas formações geológicas, campos forrados a urze lilás que contrastam com o azul do mar.


Antes da entrada em Caminha, já com mais de 25 km calcorreados, os pés obrigaram a um descanso em plena Mata Nacional do Camarido. Ancestral Mata que resulta de um grande esforço de gestão por parte dos engenheiros florestais do norte, sem conseguirem contudo, nalgumas zonas,  contrariar a força, pujança e determinação das acácias. 



Chegada a Caminha, praça central. Mais de 30 km atingidos numa só tirada. Último esforço até a estação de comboios onde uma composição ronceira mas confortável calcorreia o percurso de regresso a Viana.

Regresso a Ponte de Lima de camioneta. Para ser mais rápido optei por camioneta expresso proveniente de Lisboa. O dobro do preço que seria compensado pelo ganho de tempo, por já se faxer tarde.  Passou a hora da estipulada partida. Entretanto a carreira ordinária partiu e nós à espera do famigerado expresso. As festas da Senhora da Agonia e o consequente aumento de tráfego trocaram as voltas à carreiro expresso que cegou a Ponte de Lima 30 minutos após a carreira normal. O cansaço e o estado de alucinação imposto pelas maravilhosas paisagens litorais fizeram  com que a rede de Expressos não fosse insultada pelo caminhante.


Minho, agosto de 2022

domingo, 14 de agosto de 2022

Quero cheirar teu bacalhau, Maria... pum pum pum

Vale do Lima. Zona montanhosa, bucólica e verdejante. Machas de povamentos florestais de matizadas de verde, mescladas de casario branco e cor de telha. As linhas de água canalizam o precioso líquido em corrida mais ou menos rápida. Sentados numa relaxante cadeira, sob uma contorcida nogueira, a meia encosta do famoso vale, saboreamos esta agradável paisagem. O paraiso!!

Mas não tanto. Com  decibéis que ultrapassam certamente os valoŕes recomendados ou mesmo legais, a música vomitada pelos altifalantes das igrejas arranham os timpanos mais calejados. 

"Tu queres mas não  ten'rabo", canta o Zé do Pipo. " Na  minha cama com ela", exalta a bombeira de Cascais, logo secundada pela menina do Neil Monteiro a lastimar-e por não saber como sair da praia "...com os marmelinhos quase de fora".

O sossego e a paisagem são violados por esta intrusão, estranha ao ecossistema. Tradição?! Não.  A tradição não se cria num periodo temporal de 50 anos, data a partir da qual terão surgido estes diabólicos amplificadores instalados na casa do Senhor. Também este tipo de música de satanás é imberbe e não ficará para a história. 

"Elas fazem falta, animam a malta, o mundo sem mulheres era melhor acabar..." canta esganiçado, ao ritmo de concertinas, um vocalista desconhecido.  (música e letra muito distantes de "O que faz falta!" do Zeca).

Talvez venha breve uma nova determinação Papal terminando com esta tortura, dando descanso ao espírito dos abnegados minhotos e dos visitantes esporádicos e habituais desta maravilhosa região.

Parou o barulho!! Ufaaa. Finalmente. O que se escuta lá  ao fundo, a aproximar-se?  É um grupo de bombos a rufar ao passo de marcha. Acompanhados pelo ribombar de morteiros.

E retoma o ruído da música pimba a afogar todo o Vale do Lima: "Quero cheirar teu bacalhau, Maria..."

Pode ser que durante a semana a coisa acalme e seja possivel a concentração na literatura de férias ... 🙂

"...para quando chegar a casa, põe  o bacalhau em brasa, Maria...pum, pum, pum " 

🙈🙉🙊

terça-feira, 26 de abril de 2022

Novamente o alto Minho

Minho. Novamente alto Minho. Não cansa. Fim de semana prolongado sobre o qual, felizmente, o IPMA se enganou redondamente.
Iniciámos o caminho muito batido entre Ponte da Barca e Lindoso onde já não são habituais as pequenas manadas das bem domesticada vacas de raça minhota, regressando ordeira e lânguidamente ao seu estábulo, pela berma da estrada nacional. 
Logo após entrada em Espanha e ultrapassada a casa vazia da Guarda fronteiriça  que lembra o Estado Novo, guinámos para norte e transposemos a carente albufeira do Lindoso, que ainda, a esta data, regista níveis hidrometricos históricos. A carcaça da antiga aldeia de Aceredo, que emergiu do Lima depois de escondida desde o início dos anos 90 do século passado, vem encher de nostalgia os seus antigos habitantes.
Percorremos um dos extremos mais recônditos de Espanha, o município raiano e exaurido de Entrimo, com pouco mais de 1000 habitantes. Aldeias perdidas no tempo e no nevoeiro, com os seus habitantes envergando rudes mantelas, apascentando a sua fonte de subsistência. 
Surge de fronte o maciço granítico da Serra da Peneda. Habitualmente visitado do lado português, agora na perspetiva de nascente. Castro Laboreiro, no extremo noroeste do nosso único Parque Nacional, invadida por turistas à procura de  ar puro e do gosto do cabrito assado. Nunca mencionem aos seus habitantes o "Parque do Gerês". Tão grave  como referir parque natural de Sintra ou parque natural de Cascais aos habitantes de Cascais ou de Sintra, respetivamente. Não estamos no Gerês mas sim na Peneda.
Encostas com explosões lilases que não o são. Não são lilases mas sim urzes que despontam na Primavera.
Passagem por localidades perdidas no meio do nada, que não o são ou que o são noutro lado: Alcobaça, Barreiro, Adofreire, até finalmente chegarmos a Cevide.
Cevide. A localidade mais setentrional de Portugal, ladeada pelos rios Minho e  Trancoso, terra de contrabandistas passados, homens e mulheres. Guardião do marco de fronteira n°1 com Espanha, estrategicamente aproveitado pelos arautos dos passadiços.
- Olá. Estão de visita a Cevide? Eu sou o Mário . 
Foi com estas palavras que se apresentou o  anfitrião do simbolismo deste local. O Mário é enfermeiro no hospital de Ponte de Lima mas sempre que pode desloca-se com a mulher para uma antiga casa de seus antepassados e incrementam a residual população de Cevide. Forte divulgador da história e geografía local, aproveita também para vender um alvarinho que, embora tenha a proveniência da Quinta de Soalheiro, atribuiu-lhe o nome de "aqui começa Portugal" em homenagem à aldeia e ao referido marco. Extrovertido e falador, consegue facilmente convencer os visitantes do valor histórico daquele local. E até ficámos a saber que é colega de trabalho da nossa prima Alzira. 🙂
Próxima paragem: Melgaço. A transbordar de visitantes para a feira anual do alvarinho e do fumeiro, não sobrou um simples lugar de estacionamento. Nem sequer em uma dos passeios ou a ocupar parcialmente a faixa de rodagem. 
Seguimos de imediato para a luminosa Vigo, porta de entrada das rias baixas e um ótimo local para degustar fresco "mejillones" e outro marisco. A zona do Porto, cosmopolita, atrai passeantes de domingo e músicos de ocasião. 
De regresso a Ponte de Lima, como bons portugueses que já não têm caramelos para comprar, enchem o depósito com combustível galego que permitirá uma viagem  mais suave à região ribatejana. 

domingo, 10 de abril de 2022

A rota estival dos Avós


Recordo-me quando nos dizias que, nos longínquos anos 20 do século passado, vinham do reboliço da capital, de malas aviadas, com os miúdos (o Pai faria este ano 100 anos!) e a criada (termo proletário sem a carga pejorativa dos dias de hoje) , passar alguns dias nestas praias.


Banhar no mar os tornozelos tímidos que não podiam apanhar sol, deglutir com prazer  as opiperas refeições e, nas cadeiras de verga, ler o grande lençol que era o Diário de Notícias do dia. Afinal aconteceu poucos anos após as migrações românticas queirosianas de Carlos da Maia e de Maria Eduarda por estas zonas Sintra. 

Viemos a esta zona passar dois dias de prazer e prestar-vos homenagem.

Arribas Sintra Hotel edifício à beira mar plantado, entre a linha de rebentação e a arriba, com janelas e varandas dos quartos voltadas para sudoeste e, portanto, para o horizonte marítimo. 

A casinha da avó Belles restaurante em Magoito, pequeno e com música ao vivo. Só abre ao fim de semana. Serviço de buffets bastante variado com especialidades alentejanas. 


9 de abril de 2022 



quinta-feira, 10 de março de 2022

Trilho panorâmico do Tejo


Foi inaugurado esta semana, renovado e com novos troços , o trilho panorâmico do Tejo entre Vila Nova da Barquinha e Constância.

São 10 km sempre a ombrear o mais caudaloso rio português, com início na Foz do rio Zêzere, com uma vista deslumbtante sobre Punhete, a vila poema com nome ancestral pouco poético, e término no parque da Barquinha. Para ser do contra, o percurso foi feito ao contrário. Transporte de carro até à estação de comboios da Barquinha com espaço para estacionamento de fazer inveja à sua congénere lisboeta. Foi nessa estação quase abandonada mas operacional, preparada com portas e janelas tapadas com cimento contra qualquer ação de vandalismo, que se iniciou o percurso.

Passagem pelo parque ribeirinho, término oficial do trilho, calcorreiam- se campos agrícolas, canaviais que nos abraçam em túneis sombrios, sobreirais que sustentam biodiversidade, zonas escarpadas para o rio cintilante, fontes carentes de água  e cais fluviais cada vez mais distantes das margens. A passagem junto ao castelo de Almourol, com os seus 850 anos de história,  a meia encosta, oferece vistas deslumbrantes, sempre diferentes consoante a direção do sol. O fraco caudal do rio transformou a ilha em península. O convento seiscentista de Nossa Senhora do Loreto, ruinas habitualmente visíveis à distância, constitui um ponto de passagem dos frequentadores do trilho. Edifício que, mesmo tendo sofrido uma terceira reconstrução, e sob proteção militar e etérea, não resistiu à violência lenta dos elementos e da erosão humana. 

O percurso continuou através do leito de cheia, na base da localidade de Praia do Ribatejo, ancestralmente conhecida pelos templários como Paio de Pelle, onde altas e bem equilibradas  chaminés de fábricas devolutas albergam ninhos de cegonhas curiosas com a passagem dos transeuntes. 

A chegada à Foz do Zêzere, pelas 11 horas desse dia 1 de março de 2022 , foi coroada com um concerto de sinos, sirenes e buzinas, em solidariedade para com o povo ucraniano. 

Percurso habitualmente solitário, depois da inauguração passou a registar uma maior utilização por todos os perfis de frequentadores: os passeantes domingueros, com as suas crianças ruidosas e cãezinhos pela trela, caminheiros de fim de semana, praticantes de jogging e até atletas de trail e coloridos ciclista BTT. Todos se saudavam quando se cruzavam: um cordial "bom dia", acompanhado de um sorriso, prática cada vez mais em desuso em meios urbanos. 

O percurso pedestre não é circular, o que levanta problemas logísticos no regresso. No entanto, se o passeio for bem planeado, aparecerá sempre um comboio que nos transporta de regresso ao ponto de partida numa viagem de relaxamento e de prazer.

O Presidente de Vila Nova da Barquinha, Fernando Freire, e os seus colaboradores,  estão de parabens. Com esta iniciativa abriu mais o espaço do seu concelho aos seus munícipes, cidadãos vizinhos e até visitantes de outras paragens. Resistiu a implementar passadiços faraónicos, construindo um trilho que evidência as coisas boas da região e aproveita caminhos já estabelecidos pelo calcar do tempo, aqui e ali reforçado com pequenas pontes de madeira, muito bem enquadradas, e singelas mas necessarias obras de sustentação de terras e corrimãos de segurança. 

Uma manhã de carnaval muito bem passada! 

Deixo um link para um excelente guia histórico e turístico do percurso, da autoria de Fernando Freire: