segunda-feira, 6 de maio de 2024

O passeio dos ingleses



Em tempos idos frequentada por turistas de terras de sua Magestade, Nice apresentava poucos e ruins acessos á praia.  Providenciaram aqueles uma forma de se deslocarem paralelamente a praia, através de uma Promenade. Daí o nome da zona mais característica e conhecida da cidade, que chegou a ser copiada por marginais tão ou mais famosas, como Copacabana. 

Atualmente, a Promenade des Anglais é uma via cosmopolita onde diferentes cores, credos, raças, tendências e criaturas exóticas circulam: meninas asiáticas com chapéu de sol para evitar o escurecimento da tez; velhotas de pele queimada e lábios grossos e esticados sob ação das mãos de médicos cirurgiões; executivos(as) que, no final do dia de trabalho, se sentam nas famosas cadeiras azuis de metal, contemplando o azul turquesa do mediterrâneo e deliciando-se com os suaves e reconfortantes raios solares que lhe acariciam a cara; pedintes maltrapilhos e sujos contrastando com donos de Ferrari vermelhos, ruidosos e imaculados; casais a preto e branco com lindos descendentes apontando o dedo para os aviões que descolam sobre a cidade.
É uma zona poliglota e inclusiva. Todos a frequentam. Já foi, no entanto, objeto de ódios sangrentos que resultaram em 2016 na morte de mais de 80 pessoas.
Le Promenade des Anglais resiste e, em dias solarengos e amenos, sustenta milhares de pessoas que, a andar a pé, de bicicleta, trotineta ou sentados nas célebres cadeiras azuis, celebram a vida e o bem estar.

Cote d'Azur, abril de 2024

Perseus, Medusa e Cellini

A estátua de Cellini, com 500 anos, de Perseus decapitando a pérfida Medusa, tem a particularidade curiosa de apresentar no capacete do herói, qual assinatura,  um auto retrato do autor. 
Estranho.
Imagino José Saramago a terminar o Memorial do Convento com dois parágrafos sobre a sua personalidade ou história de infância, ou uma pintura do artista sem mestre, Almada Negreiros, com o seu busto desenhado no canto inferior direito.
Se calhar é uma prática mais habitual do que julgo ...

Florença, marco de 2024

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

O cemitério dos Pirinéus

No cemitério de Saint Girons, pequena vila nas faldas dos Pirineus, existem muitas campas sem qualquer inscrição, para além de "família de...", conforme a foto. Encontram-se sem qualquer corpo. 

Explicaram-nos que é frequente, na região, que alguém, muito antes de sua expectável morte, se desloque aos serviços camarários e adquira um talhão no cemitério e a respectiva campa, precavendo com antecipação a sua morada eterna. Um espaço familiar que acolherá todos os parentes próximos. Depois da morte, a campa é ocupada e é gravado o nome do defundo na lápide. Posteriormente, os familiares e amigos colocam pequenas molduras sobre a pedra tumular contendo imagens coloridas ou textos relativos ao homenageado póstumo: imagem de caçador no ato de caça, placa dourada com um ciclista em esforço, caminheiro retratado com montanhas em fundo e poemas que retratam a sua vida.
Não muito diferente, mas mais adequado á presente época, daqueles enterros em que o morto era acompanhado dos seus utensílios preferidos, cavalos e escravos. 
Um enorme cemitério onde não faltam os jazigos dos mortos em combate nas muitas guerras em que os franceses intervieram. E com um pequeno e modesto sector muçulmano, onde a cruz é substituída pela estrela e o crescente e o alfabeto latino pelo árabe. 
A parte antiga do cemitério de Saint Girons, pesada, fria, escura e tenebrosa, contrasta com o espaço mais aberto, arejado e ajardinado  da nova ampliação que acolhe menos frequentemente novas almas devido á cada vez maior escolha pela opção cremação. 

Ao fundo as montanhas nevadas guardam as almas expectantes. 

O espaços fúnebres também podem ser bonitos, curiosos, coloridos e serenos. Têm o seu encanto.