segunda-feira, 9 de abril de 2018

De visita a Auchwktz - Birknau

Lembro-me que as reações mais marcantes durante a visita aos campos de concentração de Aushwitz-Birknau,  há já 25 anos, foram a angústia e a incompreensão. Como foi possível tanta frieza e desprezo pela vida humana, concentrados em espaços exíguos  que tornavam a dimensão daquele inferno ainda maior?


Realizámos  o exato percurso que os prisioneiros faziam pelos alegados chuveiros para desinfeção, que na realidade eram câmaras de gaz, e que terminavam nos fornos crematórios, alinhados em bateria, prontos a consumir carne humana ainda quente. Todos nós  que ficamos nervosos com insignificantes   idas ao dentista ou a frequentar um exame de faculdade, não conseguimos sequer imaginar o que passaria pela cabeça dos condenados a este martírio. Velhos, jovens, crianças, humilhados e torturados, gaseados e transformados em cinza pelo simples facto de possuírem uma crença religiosa diferente, por serem ciganos, soviéticos, fracos para o trabalho físico, homossexuais ou por não apresentarem traços arianos puros.

Ontem regressei aquele local. Com mais duas décadas de calejamento pela idade e o reconhecimento prévio  da zona, levaram-me a pensar que seria uma simples visita a um museu, agora na companhia da família. Enganei-me. A angústia, a incompreensão, o enjoo regressaram. E enquanto tal acontecer aos mais de 2 milhões de visitantes anuais  deste campo de extermínio, estaremos a contribuir para que holocaustos semelhantes não voltem a ocorrer.

Forgive but not forget, como alguém  afirmou. É certo que não nos devemos esquecer, para evitar que aconteça de novo. Duvido no entanto que os já poucos sobreviventes consigam perdoar aos carrascos que foram culpados por tamanho genocídio.

RN, 9abr2018









sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Mar Português

 



Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!


Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma nao é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.


Fernando Pessoa


sábado, 22 de abril de 2017

Crónicas de vacances II - Minho

Partimos para o Minho no inverno frio de 1989 transportando a natural e inocente arrogância  dos recém licenciados. Tínhamos como missão o levantamento de necessidades em infraestruturas, no âmbito agrícola e florestal, contactando para isso com autarcas, agricultores e dinamizadores locais do mundo rural.

O primeiro encontro foi com o ti Amorim, agricultor do vale do Lima, que nos recebeu pelas 8 da manhã na sua escura adega, com mesa posta com um delicioso presunto e um jarro com verde tinto, cepa americana, daquele que tinge a malga. A entrevista decorreu normalmente e, após cobarde desculpa para não bebermos àquela hora da manhã, o sr. Amorim deseja-nos "continuação de bom trabalho, senhores engenheiros, e cuidado com as curvas e com os 220. Sem dar o braço a torcer por não termos entendido o comentário, despedimo-nos, ainda com o sabor intenso do fumeiro.

Os seis meses do trabalho decorreram normalmente, aumentando os conhecimentos e diminuindo a tal arrogância. Visitamos os pouco conhecidos socalcos agrícolas do Sistelo,  as brandas e inverneiras, satisfizemos a pituitária e as glândulas salivares com bacalhau à minhota, rojões e sarrabulho, flirtamos com doces minhotas e conhecemos gentes que ainda hoje são importantes nas nossas vidas.

E quando do regresso não resistimos e questionamos o nosso colega minhoto: ó Vítor, diz-nos lá o que são os 220? Com um sorriso complacente tipo "estes-mouros-não-conhecem-o-verdadeiro-Portugal", explicou-nos que eram as comuns  juntas de bois que circulavam pelas perigosas estradas do vale do Lima: cada boi vale 110 contos, e a batida na carroça, por detrás, provoca o estrangulamento dos animais pela pressão efetuada pela canga. Uma situação aceitável num país ainda sofrendo do atraso provocado pelos 48 anos de obscurantismo e onde o sofrimento de alguns animais não apagava a vergonha de mais de 3000 mortos anuais nas estradas portuguesas.

Agora, de regresso à região, confirmo que a arrogância e a cobardia alcoólica desapareceram. ;-)

RN, 22abr2017






Cópias em Copenhaga

 



50 anos depois, a Sofia substituiu a Avó  na fotografia. 😊


RN, 22abr2017

Praia da Rocha

 



No meio século de vida, depois de palmilhar dezenas de praias em Portugal e noutros países, nunca tal me aconteceu.

Após chegada cedo à praia escolhemos o que nos pareceu um bom local a cerca de 20 m da linha de rebentação. Com o decorrer da manhã, a afluência de banhistas aumentou espantosamente: um casal com 3 crianças enérgicas que se alojou a 50 cm da minha toalha, um par de emigrantes cujo nível de sonoridade da conversa concorria com as músicas pimba transmitidas nos altifalantes das igrejas do Minho e um grupo de jovens do norte que recorria frequentemente a palavreado de fazer inveja ao Quim Barreiros, em comportamentos de pré-acasalamento, e outras centenas de portugueses e outros tantos estrangeiros ávidos de 1 cm de areia e alguns kJ de intensidade de raios solares.

Quando nos levantámos para arrefecer os corpos nas águas calmas do mar deparamo-nos então com a tal situação: pela primeira vez na minha vida tive de andar em sentido contrário ao mar para chegar até ele, percorrendo o dobro da distância mais curta, caso não existisse aquele muro de pernas, chapéus, toalhas, cadeiras e vendedoras de bolas com creme de massa de alfarroba.

Que saudades das boas e extensas praias da Costa da Caparica dos anos 70 e 80, do km 30 na estrada para Benguela e nas praias de águas cálidas junto ao farol norte da cidade da Beira.

Exponho-vos uma conclusão que tirei há muito tempo e que vem ainda mais reforçada com este acontecimento: Algarve só no inverno.

Até para a semana. :-)

RN, 22abr2017

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Domingo de Páscoa - crónicas de vacances


Domingo de Páscoa. Alto Minho. 7 horas da manhã. Da madrugada, dado ser domingo.

Quem alguma vez acordou por estas terras verdejantes, neste período, já teve por certo esta sensação: despertar estremunhado pensando estar num cenário de guerra, com os estrondo dos obuses a ecoar dentro dos quartos.

Nada mais do que fogo de artifício que, com pouca arte, sobe a algumas dezenas de metros de altura e se desfaz num ruído ensurdecedor mas que afaga o ego das habitantes daquela aldeia. Onde existe perto uma fábrica daquela indústria que sustenta famílias inteiras mas que também lhes ceifa a vida.

É dia de festa, de desjejum, missas, vestidos coloridos, perfumes comprados em lojas de chineses, de doces, automóveis franceses e andorrenhos, mas também um dia de muita devoção, tradição e alegria.

Agora a aldeia de Gandra lança o seu fogo ensurdecedor, depois o Outeiro, com muito morteiro, a seguir Santa Cruz, cujo fogo demorou mais de 15 mm. Não posso deixar de comparar esta insistência e intermitência no  lançamento de foguetes, por aldeia, com a demarcação territorial efetuada pelos nossos amigos canídeos.

"Tocam os sinos na torre da igreja, há rosmaninho e alecrim pelo chão, na nossa aldeia, que Deus a proteja, vai passando a procissão." E o padre, de casa em casa, com a cruz em riste, dá a bênção a todos os presentes.

É deste Minho que eu gosto. 😀




RN, 22abr2017