terça-feira, 2 de julho de 2024

Viajar a comer



A 3km de minha casa, no limite de uma pequena povoação rural, nasceu recentemente um restaurante indiano. 

Há bem poucos anos, este nicho culinário só se encontrava pontualmente na capital. Os antigos habitantes nas regiões ultramarinas de Goa, Damão e Dou, por gradualmente estarem a desaparecer, ja não o reclamam. 

Num dia e na hora de um jogo com a seleção portuguesa, decidimos  experimentar o Taj Mahal, na expectativa que as ofertas fossem do mesmo nível do monumento e para reviver os sabores descobertos nos restaurantes goeses da cidade da Beira.  Restaurante vazio. Logo á  entrada o empregado, solícito e prestativo, num português de difícil perceção, questionou se queríamos um lugar junto à televisão. Prontamente rejeitámos, informando que o objetivo da visita era a degustação dos sabores fortes, explosivos e coloridos da cozinha indiana, e não o emotivo jogo cujo resultado saberíamos aquando do regresso a casa.

E foi isso que aconteceu nos momentos seguintes, quando os vários pratos, entradas, acepipes, molhos, pães e picantes ardentes desfilaram á nossa frente, excitando a pituitária e oleando as papilas gustativas, apresentados didática e detalhadamente pelo agradável colaborador.

Regressámos a casa satisfeitos, quão anacondas em dormente digestão, a pensar o bom que é ter imigrantes á porta de casa, que nos tratam tão bem e nos fazem viajar sentados na mesa do restaurante. 

O resultado do jogo foi o menos importante nessa noite. 

domingo, 12 de maio de 2024

O farol emblemático e viajante


Quem se recorda do antigo farol de Cacilhas? Elegante e esbelto, mostrava-se á aldeia dos asininos  e á alba Lisboa, e salvaguardava em permanência a navegabilidade do rio. Era um marco para quem visitava a povoação. As crianças da altura, puxadas pelas mães para não perderem as camionetas, viravam os grandes olhos para cima,  miravam a intensa luz e magicavam histórias de piratas e navios afundados com valiosos tesouros.

Em visita a ilha Terceira, após passagem pelo refrescante Mata da Serreta, obra ancestral dos serviços florestais locais, fomos visitar o farol com o mesmo nome na zona mais ocidental da ilha, na Ponta do Queimado, sobranceira às ilhas São Jorge e Graciosa, e rodeada pela característica floresta laurissilva. Verificámos espantados que o farol em causa, construído no início do século XX, foi danificado na sua estrutura pelo violento sismo de 1 de janeiro de 1980, e, na sua reconstrução, utilizaram nada mais nada menos  que a torre metálica do farol de Cacilhas, desativado em 1978 devido a construção de um novo cais fluvial e por já não se justificar a sua função. 

No início do século XXI, a câmara municipal de Almada manifestou interesse na antiga e emblemática estrutura, regressando o farol á sua localização de origem, agora mais viajado e conhecedor de outras terras, deixando no seu lugar uma estrutura em fibra de vidro com altura semelhante embora com menos alcance luminoso.

Perdeu a Ponta do Queimado uma torre de um farol do século XIX e ganhou o concelho de Almada o seu emblema de longa data agora, não de cor verde escura mas de um vermelho tão intenso que substituiria a iluminação caso esta ainda fosse necessária.